Querido (a) e preocupado (a) leitor (a), como todos sabemos, se tudo der certo — nunca se sabe… — no ano que vem, 2022, alĂ©m de completar 200 anos de independĂŞncia do Brasil — espero que vocĂŞ nĂŁo tenha faltado a essa aula! —, teremos eleições presidenciais. De novo iremos Ă s urnas — eletrĂ´nicas, espero — para escolher quem estará no comando do paĂs por mais quatro anos.
No Ăşltimo pleito, em 2018, tivemos a oportunidade de optar entre a civilização e a barbárie — e decidimos pela barbárie. Resultado: entregamos o poder ao Inominável, que está destruindo o Brasil em todos os sentidos — econĂ´mico, moral, Ă©tico, ecolĂłgico, polĂtico — e que se compraz em conduzir a gestĂŁo da pandemia como o motorista de uma jamanta, a carroceria cheia de bois, descendo desgovernada, e de rĂ©, a ladeira do matadouro.
No ano que vem, o que estará colocado na mesa nĂŁo será se desejamos ou nĂŁo chafurdar na barbárie, mas se subsistiremos como paĂs. A definição, portanto, será se nosso voto colocará em primeiro plano o contexto polĂtico ou o interesse partidário mais imediato. Calma, eu explico.
FĂ´ssemos um paĂs sĂ©rio, as lideranças nĂŁo estariam nesse momento discutindo interesses partidários, que sĂŁo sempre, como está embutido na palavra, interesses de partes — e no Brasil, sabemos, essas partes se dividem e subdividem e se pulverizam. FĂ´ssemos um paĂs sĂ©rio, as lideranças estariam nesse momento discutindo interesses polĂticos — ou seja, interesses dos cidadĂŁos voltados para a sobrevivĂŞncia da nossa sociedade.
Porque no final do ano que vem — e nĂŁo precisa ser nenhum astrĂłlogo para prever isso — estaremos em ruĂnas, tal qual tivĂ©ssemos participado de uma guerra. E, historicamente, sĂł há um caminho possĂvel para superar os efeitos devastadores de uma guerra: o entendimento. Para reconstruir o que sobrará do Brasil, depois desta catástrofe chamada “governo Bolsonaro”, haverá necessidade de um esforço conjunto da sociedade — daquela parte que ainda manifesta alguma empatia pelos aspectos civilizatĂłrios, principalmente no que se refere Ă redução da nossa ignominiosa desigualdade social. E isso sĂł se consegue se forem colocados em segundo plano os interesses meramente partidários. Portanto, necessitaremos de um estadista, Ă altura do momento histĂłrico, e nĂŁo de mais um aventureiro.
Para tentar reerguer o paĂs, o prĂłximo presidente da RepĂşblica — estou contando, claro, com aquela máxima de que um raio nĂŁo cai no mesmo lugar duas vezes — terá de desfazer tudo o que Bolsonaro fez e ainda fará para reduzi-lo a cinzas. Esse esforço sĂł alcançará sucesso se houver colaboração do Congresso que, como sabemos, em geral, mais parece um balcĂŁo de negĂłcios do que um ĂłrgĂŁo legislador. Ou seja, nĂŁo basta vencer as eleições, o prĂłximo presidente terá que ter condições de administrar o caos. E isso sĂł ocorrerá se a maioria civilizatĂłria estiver alinhada em alguma agenda comum, mĂnima que seja.
E nĂŁo adianta, vocĂŞ, que teve a paciĂŞncia de chegar atĂ© aqui, achar que isso poderá ser costurado no segundo turno — Ă© urgente que saiamos, já nos primĂłrdios do processo eleitoral, com um nome e um programa de consenso. Sabe por quĂŞ? Para evitarmos um raciocĂnio, como o do presidente nacional do PSDB, Bruno AraĂşjo, que disse que, numa eventual disputa entre Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele preferia… tomar um tiro… Sim, incrĂ©dulo (a) leitor (a), ele falou isso no dia 18 deste mĂŞs…
Parece utopia? Pode ser, mas eu me nutro de utopia… Quero poder responder aos meus netos que, ao comemorar os 200 anos de independĂŞncia do Brasil, mostramos ao mundo que a opção pela barbárie em 2018 foi um acidente de percurso, nĂŁo uma manifestação de caráter do povo brasileiro.
Luz na escuridĂŁo
Ana LuĂsa Escorel, designer, editora, escritora:
“O fastio do diabo foi publicado em 2016 num livro de crĂ´nicas — De tudo um pouco — e Zulmira Ribeiro Tavares, que o leu, me aconselhou a desenvolvĂŞ-lo transformando-o em romance. Obedeci e estou nisso vai fazer dois anos, agora em junho, com a impressĂŁo de que consigo terminar ainda no primeiro semestre. Na verdade, O fastio do diabo era o Ăşnico texto, em De tudo um pouco, que nĂŁo era crĂ´nica, mas uma historieta escrita sob o triste pressentimento de que o Brasil estava vindo pelo pau abaixo, depois da deposição de Dilma Rousseff. Mal sabia eu que as coisas iriam piorar muitĂssimo na linha proposta pela narrativa. Nela, o Diabo anda muito deprimido depois de repetidas evidĂŞncias de que sua missĂŁo essencial está sendo corroĂda pelas inumeráveis demonstrações de que os homens e as mulheres sĂŁo muitĂssimo mais letais em relação a seu semelhante, ao meio ambiente e a qualquer sistema de pensamento que se proponha dar conta da equação humana sobre a Terra, que ele prĂłprio e seu infindável exĂ©rcito maldito. Nisso, os mĂ©dicos que o acompanham — trĂŞs diabões vermelhos, rabudos e peludos — tentam reanimá-lo pensando ter descoberto um antĂdoto contra a depressĂŁo do chefe e, nessa tentativa, se apoia a dinâmica da ação, seu desenvolvimento e fecho que tĂŞm, no Brasil, um dos personagens principais. Fazendo uma observação temerária, porque escritores nĂŁo estĂŁo bem situados para opinar sobre os prĂłprios textos, eu diria que O fastio do diabo talvez seja meu livro de escrita mais convencional, curiosamente a serviço de uma maluqueira completa, de uma histĂłria sem pĂ© e muito menos cabeça, passada no Inferno entre diabos que ocupam as mais diversas funções, para que a máquina da maldade possa ser tocada com eficiĂŞncia”.
Parachoque de caminhĂŁo
“Quem, de forma leviana, dá um passo que seja para fora da estrada correta é arrastado subitamente a outros caminhos, que o levam para cada vez mais baixo; é em vão que ele vê brilhar no céu as estrelas que o orientam, não lhe resta mais escolha e ele é obrigado assim a prosseguir ininterruptamente abismo abaixo.”
Adelbert von Chamisso (1781-1838)
Antologia pessoal da poesia brasileira
EmĂlio Moura
(Dores do Indaiá, MG, 1901 – Belo Horizonte, MG, 1971)
Meu coração
Penso agora nos mortos que nĂŁo tĂŞm nome,
nos vivos que nĂŁo tĂŞm nome;
penso agora naqueles que vieram cedo demais e se cansaram,
e naqueles que chegaram depois que todas as portas
[já estavam fechadas.
Penso agora na sede do homem desesperado que se
[deixou ficar no deserto;
penso agora nos que lutaram inutilmente por
[caminhos que nĂŁo levaram a nada;
nos que se calaram, porque compreenderam,
e nos que disseram todas as palavras e nĂŁo foram
[compreendidos…
Por que foi que, de repente,
todas as vidas se somaram
para me envolver neste momento?
Meu coração se multiplica:
agora é apenas meu coração que está palpitando no
[mundo.
(Canto da hora amarga, 1936)