Há aproximadamente um mês, morreu o professor Alfredo Bosi, de covid. Acho que o que vou contar aconteceu na minha primeira aula com ele, que já era o mais famoso professor da faculdade de Letras.
A sala estava lotada.
Ele entra segurando só uma folha de papel, senta na sua cadeira, põe a folha na mesa à sua frente e começa a falar.
Não escreve nada na lousa e não fica em pé, mas todos prestam atenção total, porque o raciocínio vai longe e rápido, mas sendo claro e preciso, fazendo um encadeamento perfeito.
Se não me engano, ele começou falando em Gregório de Matos e acabou em Petrarca (aliás, minha impressão é que todas suas aulas sempre acabavam no Petrarca).
Ele fazia citações e dava indicações bibliográficas sem consultar nenhum livro, apenas dando uma olhadinha na folha de papel de vez em quando. E a dobrava e desdobrava várias vezes, como se em cada canto houvesse um pedaço da aula.
Eu pensava: “esse cara é um craque nas anotações. Como consegue fazer todas essas informações caberem só numa folhinha? Será que escreve apenas umas palavras-chave? Será que usa ideogramas chineses? Letras microscópicas?”.
Então, quando acabou a aula, ele saiu da sala e deixou a folha de papel na mesa. Imediatamente pensei: “Arrá, vou descobrir o segredo dele”.
Outros alunos tiveram a mesma ideia e todos fomos quase correndo até a mesa (era preciso ser discreto).
Na minha memória, fui o primeiro a pegar o papel. Mas ela gosta de inventar coisas. De qualquer forma, lembro que senti como se estivesse prestes a descobrir o grande mistério do Bosi.
E descobri mesmo.
A folha estava em branco.