Cheguei em casa — na casa em que passo os fins de semana, mais perto da natureza — e, ao abrir a porta, uma aranha na parede branca correu assustada para trás da moldura de um espelho. Gosto de aranhas e, em vez de tirar o espelho e caçar a personagem, memorizei a cena para acompanhar os próximos movimentos.
No dia seguinte, pela manhã, flagrei novamente a aranha do lado de fora da moldura, receosa e disposta a desaparecer ao primeiro gesto. Dessa vez, antes de ela dar no pé, notei que lhe faltava uma perna. Fui pesquisar para saber se uma aranha tem dificuldade em viver sem uma das pernas e constatei que, quando se tem oito, perder uma não é lá grande coisa.
Na terceira vez, a hĂłspede já se mostrou mais Ă vontade, mesmo quando me aproximei para medir sua reação. Umas e outras, ficamos amigos e a coisa se inverteu: agora ela saĂa de trás do espelho quando eu passava ou estava por perto.
Tomei o cuidado de avisar a Nilza que a aranha era da casa — já estava traumatizado por ter me esquecido de falar com ela sobre uma dupla de formigas (nĂŁo posso afirmar que era um casal), que estava frequentando uma orquĂdea na sala, interessada em beber o nĂ©ctar que a planta expele durante a floração. Por sinal, uma orquĂdea-aranha — pura coincidĂŞncia, juro. Dessa vez eu nĂŁo ia pecar pela displicĂŞncia já que a Nilza nĂŁo tolera nenhuma espĂ©cie de insetos e aprecia toda e qualquer substância capaz de eliminá-los, fazendo uso do chinelo ou do que tiver em mĂŁos para atacar os bichos. Nunca tinha visto tanta felicidade quando, numa ocasiĂŁo, ela chegou em casa com uma raquete. De longe eu pensei que estava aprendendo a jogar frescobol atĂ© descobrir que ela fritava moscas e pernilongos no maior sadismo com aquela coisa.
A vida dos bichos na natureza nĂŁo Ă© nada fácil, isso a gente já sabe. A vida das plantas tambĂ©m nĂŁo Ă© brincadeira, com toda a sorte de pragas, a competição pela luz do sol e principalmente — nas minhas plantas — pela ação das formigas cortadeiras. Entendi, na prática, o que o Mário de Andrade queria dizer quando jocosamente decretou no seu MacunaĂma: “Se o Brasil nĂŁo acabar com as formigas, as formigas acabam com o Brasil”. Os caras da indĂşstria de veneno presumivelmente levaram ao pĂ© da letra, e o Brasil venceu a contenda. Lá em casa, no entanto, quem continua ganhando Ă© a formiga.
Mas, voltando Ă aranha perneta, faz uns dias que nĂŁo a vejo. A Nilza sustenta que nĂŁo encostou a mĂŁo nela, e nisso eu consigo atĂ© acreditar, já que ela tem um pĂ© atrás com as aranhas e sĂł a atacaria com uma vassourada ou coisa pior. Ă€s vezes, Ă© melhor a gente pensar positivo para nĂŁo encher a cabeça com suposições impossĂveis de confirmar.