Silviano Santiago nasceu em 1936 em Formiga (MG), e vive hoje no Rio de Janeiro. Ficcionista e crítico literário, publicou mais de trinta livros. Destacam-se Mil rosas roubadas, Stella Manhattan, Em liberdade e Heranças. Recebeu inúmeros prêmios e condecorações, como o título de Chevalier na França, a medalha de Comendador do Ministério da Cultura do Brasil e o Prêmio Machado de Assis da ABL pelo conjunto da obra.
Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Depois de ter tentado ser crítico de cinema. Pior hipótese: o escritor nasceu do fracasso do cineasta. Melhor hipótese: surgiu do desejo de o crítico transpor os limites da imagem como forma de saber. Ou seja: quando descobri tardiamente as letras.
Quais são suas manias e obsessões literárias?
Minhas manias e obsessões têm tudo a ver com o autocontrole do temperamento inseguro e errático. Sou hipertenso. Todo manuscrito meu acaba sujo e não suporto manuscrito sujo. Antes do manejo do computador, cheguei a datilografar na máquina 60 vezes a mesma página, isso depois de tê-la escrito algumas vezes à mão.
Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
Toda e qualquer. Da correspondência diária e normal de cidadão às cartas e mensagens escritas por amigos. Das notícias de jornal ao horóscopo do dia (lidos hoje na tela do computador). Do romance ao livro de poemas e ao ensaio. Em geral, passo toda a manhã lendo (ou me relendo, isto é, escrevendo). À noite, chegada a velhice, “leio” a televisão.
Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
Um livro que não é da minha especialidade e deveria ser do conhecimento do Ministro da Ciência e Tecnologia (tão silencioso! coitado). Um ensaio que a ensinasse a compreender o que “é” a pesquisa científica no mundo contemporâneo. Talvez abandone as discussões sobre corrupção e explique à nação a grandeza tecnológica, econômica e social do projeto da Petrobrás. O cidadão precisa dessa informação ampla para poder julgar a perda terrível, mas setorizada causada pela corrupção. Pode-se “perder” mais dinheiro numa pesquisa de ponta do que na pior corrupção. Não justifica, mas esclarece.
Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Boa saúde, algum dinheiro, tranquilidade, memória disposta a trabalhar sem medo, uma boa biblioteca e, hoje, um computador confiável.
Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Na pergunta, sublinho “ideais”. Não precisar preparar aula ou palestra; não precisar escrever resenha ou artigo para jornal; não ter aceitado encomenda bem remunerada; estar escrevendo trabalho de criação.
O que considera um dia de trabalho produtivo?
Dia em que entremeio a produção intelectual com a vida profissional e social e em que consigo conviver algumas horas comigo mesmo (falo de solidão, claro) ou com outra pessoa (falo de amizade).
O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
A compulsão à repetição, ou seja, o prazer em rever a frase ou o parágrafo que saiu espontânea e desequilibradamente.
Qual o maior inimigo de um escritor?
Tentar ser melhor ou superior em atividade intelectual menos séria, como querer, por exemplo, que seu livro seja adaptado à força para a televisão ou o cinema. O pior e o melhor cinema exploram (no sentido vergonhoso da palavra) as boas conquistas da literatura, sem dar crédito, apud Gore Vidal. Triste sorte, triste sina, ser escritor.
O que mais lhe incomoda no meio literário?
Não sei. Tenho pouca experiência. Gosto de correr pelo lado de fora da raia.
Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Sou muito volúvel por natureza e profissão. No dia de hoje, Virginia Woolf.
Um livro imprescindível e um descartável.
No meu caso, imprescindível foi Os moedeiros falsos, de André Gide. Descartáveis foram as muitas peças do teatro romântico espanhol (costumbrista) que tive de ler para um curso e trabalho de estágio quando estudante de Letras.
Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Não corrigir por teimosia, por medo ou por pressa o defeito que o autor descobriu a tempo no manuscrito que dá por terminado. Ele é o primeiro a descobrir defeito na obra. Se ele não for bobo. Se for, o defeito que destrói ou compromete um livro é ele próprio.
Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Todas as portas estão escancaradas. Menos uma. Por isso, ainda inconfessável.
Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Tem um canto — veja resposta anterior — de onde ainda não tirei “inspiração”, e lamento. No mais, em geral meus “cantos” são inusitados.
Quando a inspiração não vem…
Ela nunca vem. Se ela vier, jogue pedra nela. Peço que não se confunda inspiração com o desejo de improvisar (como no jazz). Aprendi muito com a “loi de la détente” na dança clássica. Tive a sorte de ver os ensaios de Margot Fonteyn. Antes de se apresentar ao público, ela fazia horas e horas de exercício na barra para que o corpo (a imaginação, no caso do escritor) ficasse solto ao iniciar o espetáculo da criação. Lose yourself do dance (Daft Punk).
Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Jacques do Prado Brandão, já falecido.
O que é um bom leitor?
Aquele que consegue ler nas entrelinhas.
O que te dá medo?
Na vida, tudo. Quando escrevo, nada.
O que te faz feliz?
Hoje, já velho: um uísque decente, uma refeição deliciosa e um bom papo.
Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
Marschner, velho amigo de descendência alemã, me dizia que eu era mais germânico que ele. Certeza e dúvida, o trabalho guia meu trabalho.
Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Acertar. Tarefa, aliás, impossível e por isso destinada ao fracasso.
A literatura tem alguma obrigação?
Fui educado por uma citação magistral de Ezra Pound em ABC of Reading: “Ut doceat, ut moveat, ut delectet”. Ensinar, comover e deleitar.
Qual o limite da ficção?
Nenhum.
Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Eu lhe direi que sempre fui meio anarquista. Nunca pensei em buscar/ter um líder.
O que você espera da eternidade?
Paz.