Aqui e agora

André Sant'Anna: “Sempre penso se o que estou escrevendo é realmente algo imprescindível a se dizer.”
André Sant’Anna, autor de “O paraíso é bem bacana”
01/11/2013

Ainda que seja um leitor nato, desde a infância, pode-se dizer que o André Sant’Anna escritor é conseqüência de um acidente: “Nunca quis ser escritor mesmo” é como ele começa este Inquérito, pois seu início de fato foi com a música, como compositor. No entanto, logo em sua estréia na literatura, com Amor (Dubolso, 1998), em uma tiragem de apenas 500 exemplares, as críticas positivas e a legenda “escritor” abriram-lhe uma nova trilha ao lado da música e do trabalho como roteirista de televisão, cinema e publicidade.

Nascido em Belo Horizonte (MG), em 1964, e atualmente morando em São Paulo (SP), Sant’Anna já publicou Sexo (1999), Amor e outras histórias (2001), O paraíso é bem bacana (2006), Sexo e amizade (2007) e Inverdades (2009). Nestes contos e romances, o conteúdo (de muito sexo e cenas inusitadas), a ironia (presente até no título de seu romance de 2006) e a linguagem construída a partir daquilo que se poderia ouvir em bares ou igrejas, vindo de todas as classes sociais, crenças e preconceitos, marcam a obra do escritor. A seguir, André Sant’Anna fala sobre seu início na literatura, a balança entre ganhar a vida e escrever e a importância de ir ao trabalho com absoluta liberdade.

Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Nunca quis ser escritor mesmo. Eu morava no Rio e tinha um grupo de música performático, escrevia letras para as músicas e textos para as performances. Quando me mudei para São Paulo, para trabalhar com publicidade, fiquei sem grupo, sem turma, sem parceiros. E comecei a escrever sem compromisso. Escrevi e publiquei Amor pela Dubolso. Foi uma edição de 500 livros, que enviei pelo correio a jornalistas, escritores, etc.. Gente como o Antônio Houaiss, o Raduan Nassar, o Millôr, me escreveu de volta. O Bernardo Carvalho publicou uma resenha na Folha e, a partir daí passei a ser considerado escritor. 

Quais são suas manias e obsessões literárias?
A de me conceder liberdade absoluta no que escrevo. Não me preocupo com dinheiro, com mercado e nem com o “escrever bem”.

Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
Nenhuma leitura me é imprescindível hoje em dia. Desde criança, sempre li naturalmente. Mas estou sempre relendo o Glauber Rocha e o Nelson Rodrigues.

• Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
A revolução do Cinema Novo, de Glauber Rocha.

Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Quando não estou preocupado com dinheiro, em ganhar a vida.

Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Em viagens de ônibus.

O que considera um dia de trabalho produtivo?
Quando tenho boas idéias para um novo texto ou quando consigo uma solução para algo que estava empacado. 

O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
A idéia inicial e o momento em que percebo que cheguei ao final de algo e que aquilo deu certo.

Qual o maior inimigo de um escritor?
A preocupação em ganhar a vida.

O que mais lhe incomoda no meio literário?
Nada em especial. Até as poses dos artistas de qualquer meio me divertem. 

Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Jorge Mautner.

Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível: Grande Sertão: Veredas — J. G. Rosa.
Descartável: Brida — Paulo Coelho.

Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
A picaretagem. A desonestidade intelectual e artística.

Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Não há isso. Posso escrever sobre qualquer assunto. Nunca se sabe.

Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Difícil responder, porque o inusitado está em toda parte. Por exemplo: já tirei inspiração vendo um mendigo fazer cocô na esquina de onde moro, sem se esconder, na frente de todo mundo, por volta do meio-dia. Mas depois que o texto está pronto, ele me parece totalmente óbvio.

Quando a inspiração não vem…
Também não tem isso, não. Vou escrevendo e uma palavra puxa a outra. Se não fica bom, deleto um parágrafo, uma página, começo de novo, etc.

Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Nelson Rodrigues.

O que é um bom leitor?
O que não tem uma opinião formada antes de ler o livro.

O que te dá medo?
A impossibilidade de fazer arte por ter que cuidar dos assuntos mundanos da sobrevivência.

O que te faz feliz?
Música.

Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
Sempre penso se o que estou escrevendo é realmente algo imprescindível a se dizer. Tomo muito cuidado para não ser desonesto com o que escrevo, em não fazer algo fake para agradar pessoas ou oportunidades comerciais.

Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Se vou ter tempo de ir até o fim.

A literatura tem alguma obrigação?
Nenhuma. A literatura e a arte em geral são a maçã de Adão e Eva. Desafiar Deus. Ir além dos instintos.

Qual o limite da ficção?
Não tem limites. A ficção pode ir a qualquer espaço/tempo.

Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Não tenho líderes mesmo. Pelo menos líderes a quem eu reconheça como tais. Mas, claro, tem uns caras aí, na política, na cultura, que a gente tem que engolir contra a própria vontade. A própria cultura é uma imposição, uma inibidora da arte. Mas aí já é outra conversa.

O que você espera da eternidade?
Putz! Bem… Aí já é aquele velho papo: a eternidade é aqui agora.

Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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