Poemas de Weldon Kees

Leia os poemas traduzidos "A praia em agosto", "Começo de inverno", "O fim da terra", "1926", "O quarto do andar de cima" e "Poema no lugar de carta"
Weldon Kees, poeta americano
01/04/2022

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

The beach in August

The day the fat woman
In the bright blue bathing suit
Walked into the water and died,
I thought about the human
Condition. Pieces of old fruit
Came in and were left by the tide.

What I thought about the human
Condition was this: old fruit
Comes in and is left, and dries
In the sun. Another fat woman
In a dull green bath suit
Dives into the water and dies.
The pulmotors glisten. It is noon.

We dry and die in the sun
While the seascape arranges old fruit,
Coming in with the tide, glistening
At noon. A woman, moderately stout,
In a nondescript bathing suit,
Swims to a pier. A tall woman
Steps toward the sea. One thinks about the human
Condition. The tide goes in and goes out.

A praia em agosto

No dia em que a mulher gorda
Usando um maiô azul brilhante
Caminhou até a água, e morreu,
Eu pensei sobre a condição
Humana. Pedaços de frutas podres
Foram trazidas e deixadas pela maré.

O que eu pensei sobre condição
Humana foi o seguinte: a fruta podre
Chega e fica, secando
Ao sol. Uma outra mulher gorda
Num maiô verde sem graça
Mergulha na água e morre.
Os aparelhos de oxigenação brilham. É meio-dia.

Secamos e morremos ao sol
Enquanto o mar ajeita a fruta podre,
Que veio com a maré, brilhando
Ao meio-dia. Uma mulher, meio corpulenta,
Num inacreditável maiô,
Nada até o píer. Uma mulher alta
Caminha até o mar. Pensa-se sobre a condição
Humana. A maré enche, a maré vaza.

Early winter

Memory of summer is winter’s consciousness.
Sitting or walking or merely standing still,
Earning a living or watching the snow fall,
I am remembering the sun on the sidewalks in a warmer place,
A small hotel and a dead’s girl face;
I think of these in this higher altitude, staring West.

But the room is cold, the words in the books are cold;
And the question of whether we get what we ask for
Is absurd, unanswered by the sound of an unlatched door
Rattling in wind, or the sound of snow on roofs, or glare
Of the winter sun. What we have learned is not what we were told.
I watch the snow, feel for the heartbeat that is not there.

Começo de inverno

A memória do verão é a consciência do inverno
Sentado, caminhando, ou sem fazer nada,
Trabalhando para viver ou olhando a neve que cai,
Fico me lembrando do sol nas calçadas de um lugar mais cálido,
Um hotelzinho e o rosto de uma garota morta;
Penso nisso aqui, nesta altitude elevada, encarando o Oeste.

Mas o quarto está frio, as palavras nos livros estão frias;
E a questão sobre se conseguimos o que almejamos,
Sem sentido, não é respondida pelo barulho de uma porta destrancada
Que bate com o vento, ou pelo som da neve nos telhados, ou pelo brilho
Do sol de inverno. O que aprendemos não foi o que nos ensinaram.
Olho a neve, sentindo uma pulsação que não está lá.

Land’s end

A day all blue and white, and we
Came out of woods to sand
And snow-capped waves. The sea
Rose with us as we walked, the land
Built dunes, a lighthouse, and a sky of gulls.

Here where I built my life ten years ago,
The day breaks gray and cold;
And brown surf, muddying the shore,
Deposits fish-heads, sewage, rusted tin.
Children and men break bottles on the stones.
Beyond the lighthouse, black against the sky,
Two gulls are circling where the woods begin.

O fim da terra

Um dia todo azul e branco, e nós
Saímos do bosque para a areia
E para as ondas cobertas de neve. O mar
Crescia conosco conforme caminhávamos, a terra
Ergueu dunas, um farol e um céu de gaivotas.

Foi aqui que, há dez anos, fiz minha vida,
O dia nasce cinzento e frio;
E a ondulação marrom, enlameando a costa,
Traz cabeças de peixe, lixo, latas enferrujadas.
Crianças e homens quebram garrafas nas pedras.
Além do farol, negras contra o céu,
Duas gaivotas voam, em círculo, sobre o bosque.

1926

The porchlight coming on again,
Early November, the dead leaves
Raked in piles, the wicker swing
Creaking. Across the lots
A phonograph is playing Ja-Da.

An orange moon. I see the lives
Of neighbors, mapped and marred
Like all the wars ahead, and R.
Insane, B. with his throat cut,
Fifteen years from now, in Omaha.

I did not know them then.
My airedale scratches at the door.
And I am back from seeing Milton Sills
And Doris Kenyon. Twelve years old.
The porchlight coming on again.

1926

A luz da varanda, acesa de novo,
Começo de novembro, as folhas mortas
Amontoadas em pilhas, a cadeira de balanço de vime
Rangendo. Na vizinhança
Um fonógrafo toca Ja-Da .

A lua alaranjada. Observo as vidas
Dos vizinhos, mapeadas e marcadas
Como todas as guerras adiante, e R.
Louco, B. com sua garganta cortada,
Daqui a quinze anos, em Omaha.

Eu não os conhecia, então.
Meu cachorro arranha a porta.
Estou de volta após assistir Milton Sills
E Doris Kenyon . Doze anos de idade.
A luz da varanda, acesa de novo.

The upstairs room

It must have been in March the rug wore through.
Now the day passes and I stare
At warped pine boards my father’s father nailed,
At the twisted grain. Exposed, where emptiness allows,
Are the wormholes of eighty years; four generations’ shoes
Stumble and scrape and fall
To the floor my father stained,
The new blood streaming from his head. The drift
Of autumn fires and a century’s cigars, that gun’s
Magnanimous and brutal smoke, endure.
In March the rug was ragged as the past. The thread
Rots like the lives we fasten on. Now it is August.
And the floor is blank, worn smooth,
And, for my life, imperishable.

O quarto do andar de cima

Deve ter sido em março que o tapete se rasgou.
Agora o dia passa e eu olho
Para as tábuas de pinho tortas que o pai de meu pai pregou,
Na madeira retorcida. Expostos, onde o vazio deixa ver,
Estão os buracos das brocas de oitenta anos; sapatos de quatro gerações
Tropeçam e arranham e caem
No chão que meu pai manchou,
O sangue novo jorrando de sua cabeça. As marcas
Das lareiras de outono e de um século de charutos, daquela
Brutal e magnânima fumaça do revólver, perduram.
Em março o tapete já estava, como o passado, esfarrapado. Os fios
Apodreceram como as vidas nas quais nos agarramos. Já é agosto.
E o piso está vazio, desgastado, liso
E, para a minha vida, imortal.

Poem instead of a letter

Grasping at nothing in a swirl of leaves
Here in this smoky-faced and ruined town,
I think of you, across the continent,
Testing your smile that ripened in catastrophe
And wonderfully ready now for death.

The threadbare promise of our heritage
Is habit now; that other year turned winter
As we watched the fragments of a world
Dropping to pieces like a sick bouquet,
Missing the odor, though we named the time
Sufficiently. We know that odor now,
I think, as well as it is safe to know.
And even as I climb the steps, wishing you luck,
It fills the porches and the streets, while this rank wind
Blows thorough your rooms, untenanted.

What ranker winds may blow one cannot say,
Nor guess. The one tonight blows through the mind,
And every syllable is false, and dry.
Goodnight, goodnight. To strangers, to an empty street.

Poema no lugar de carta

Nada conseguindo agarrar, de um rodamoinho de folhas
Aqui, nesta arruinada e esfumaçada cidade,
Penso em você, através do continente,
Pondo à prova seu sorriso, amadurecido em catástrofes
E maravilhosamente preparado para a morte.

A esfarrapada promessa de nossa herança
Já virou mania; naquele outro ano o inverno chegou
Enquanto observávamos os pedaços de um mundo
Caindo aos pedaços como um buquê de flores apodrecidas,
Sentindo falta do aroma, ainda que conhecêssemos, suficientemente,
O tempo. Já identificamos aquele aroma,
Penso, tanto quanto é possível identificar.
Mesmo enquanto subo os degraus, lhe desejando sorte,
O aroma toma conta das varandas e das ruas, e este vendaval
Sopra através dos seus aposentos vazios.

O que os vendavais podem soprar, não se sabe,
Nem se supõe. O de hoje à noite sopra através da mente,
E cada sílaba soa falsa, e estéril.
Boa noite, boa noite. Para os estranhos, para uma rua deserta.

Weldon Kees
Nasceu em Nebraska (Estados Unidos), em 1914. Viveu entre Nova York e São Francisco, circulando com desenvoltura entre as vanguardas culturais da primeira metade do século 20. Ele foi cineasta, compositor, pianista, pintor, crítico literário, romancista, contista e, principalmente, poeta, atividade em que deixou o legado mais duradouro. Em 18 de julho de 1955, seu carro foi encontrado aberto, com a chave na ignição, estacionado junto à ponte Golden Gate, em San Francisco; apesar de todos os indícios de um suicídio, ele não deixou um bilhete e seu corpo nunca foi encontrado.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho