Poemas de Vanderley Mendonça

Leia os poemas "Ainda se morre por amor", "Santa Teresa", "Mil sóis não queimam uma letra" e "Meu acento"
Vanderley Mendonça, autor de “Iluminuras”
01/12/2020

Ainda se morre por amor

sim, eu sou os versos
Victor Heringer

às vezes a dor tem um nome
uma marca no calendário

às vezes, um número no telefone
outras vezes, imaginário

a dor leva o tempo ao contrário
o tempo da lágrima, o da fome

o tempo que morre e descome
o amor que morre à míngua, lunário

o rosto da morte, seu desnome
fuga e desamor, seu inventário

…..

Santa Teresa

não quero ir pro céu
não quero ir pro inferno
quero viver e morrer
em santa teresa
no bar da esquina
ladeira abaixo
ladeira acima
bebendo poesia
comendo amor
respirando alegria
até que um dia
santa teresa me diga
se a dor que me seguia
tivesse um nome
qual seria…

…..

Mil sóis não queimam uma letra

a escrita não vê a si mesma
não é transparente como a voz
mas o fogo frio de um texto
queima mais que mil sóis

tudo o que é escrito deseja
a grafia, um kama-sutra
meu, teu ou de quem seja
a escrita é uma puta

condenados estamos a ler
não nos afastamos do medo
do falar, do erro, do enredo
do indiviso mar do dizer

se a fala é o magma de ruído
busca a fervura do ouvido
e antes de ser língua ou silêncio
a escrita é fenda, lava e cio

…..

Meu acento

ladra à vida
o cão da minha sina
faminto de destino
fera vadia
franzino
querendo outro mar
o canto palestino
de quem me sabe olhar
por brio que obstino
meu hino
meu acento
nordestino

Vanderley Mendonça

Nasceu em Maranguape (CE), em 1963. É editor, jornalista, designer e tradutor. Edita os Selos Literários Edith e Demônio Negro. Traduziu, entre outros livros, Poesia vista, antologia bilíngue do catalão Joan Brossa (2005), e Greguerías, de Ramón Gómez de La Serna (2010). Seu primeiro livro, Iluminuras, foi publicado em 2013.

Rascunho