Poemas de Tanussi Cardoso

Leia os peomas "Momento", "Natureza-morta com maçãs e laranjas", "O poema dentro de ti", "Sobre sombra e luz" e "Visões"
Tanussi Cardoso, autor de “Eu e outras consequências”
01/04/2022

Momento

no espaço silencioso
do ar
o pássaro me acolhe

em seu voo
simétrico
olha em meu olhar

e me devolve
a manhã renovada

Natureza-morta com maçãs e laranjas
(Cézanne)

: eis a paisagem
das frutas

: eis o gosto absurdo
do mel na retina

: eis o silêncio
pendurado na parede

: eis a vida
suspensa por um fio

O poema dentro de ti

De modo geral,
acho que devemos ler apenas
os livros que nos cortam e nos ferroam.
Kafka

O poema só serve para acender o fogo intenso do frio que te habita.
Para te golpear como a dor do fim do amor que amas,
ou como raio a quebrar o lago que te espelha a face.
O poema só serve para deixares de bordar estrelas
e cumprires teu destino humano,
pois cabe somente a ti o teu enredo.
O poema não está nem aí para tua felicidade ou suicídio.
O poema só serve para que saias de ti, te leias e te encontres.

Sobre sombra e luz
para a atriz Silvia Buarque

Os olhos tristes da moça
são onça ferida mirando o Sol da dor.
Que o amor, moça, é flecha lançada ao vento.
Chão que se quebra ao Tempo.
Barco em rio seco. Adeus de pavio lento.
O amor é rosto que olha o lago sem se ver.
Fantasma de si mesmo — vulto.
É o que se dá sem se ter.
Faca a cortar em sua inutilidade de aço.
Parto que não nasce; exílio do outro e de si.
O amor, moça, é a eterna construção da pedra em flor.
É a invenção colorida do nada.
É feito cinema, moça, ilude e acalma.
Depois, é só a vida com suas águas rasas.

Visões

Quando criança,
o Sol queimava feito uma bola amarela
e as nuvens choravam água dentro delas.
Tudo era imensamente grande,
assim como o amor
fosse somente um rinoceronte
lambendo as lágrimas dos inocentes.
Quando criança,
o mundo era só um risco na paisagem.
A vida ainda não era dançar
diante do abismo da viagem
e a poesia não era o que nascia do espanto,
mas o encanto dos olhos do que o menino via.
Quando criança,
a rua era um país a explorar meus desejos
e o sexo, só uma diversão de dedos.
Eu era eterno — eu era para sempre —
tudo era para sempre.
Meus mortos eram para sempre.
Hoje, tudo é real e rói.
Só a criança teima em existir,
mas ela dói.

Tanussi Cardoso

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ). Membro do Pen-Clube, tem 13 livros de poesia, sendo os mais recentes: Eu e outras consequências (2017) — Prêmio Manuel Bandeira, da UBE-RJ, e Ejercicio de la mirada/Exercício do olhar, bilíngue (2020), publicado em Lima, Peru, pela Amotape Libros, tradução ao espanhol do poeta peruano Óscar Limache.

Rascunho