Poemas de Helena Zelic

Leia os poemas "Flores no lugar de lápides", "Varadero anos 60", "Cubatão" e "Denúncia IV"
Helena Zelic, autora de “Caixa preta”
01/11/2021

Flores no lugar de lápides

neste dia eterno e corrente
sob a luz indireta do tempo
padre júlio quebra pedras
quebra pedrasquebra pedras
quebra quebra é tanta pedra
padre júlio a marretadas
sem a ajuda de ninguém
quebra pedrasquebra pedras
padre júlio quebra pedras
padre júlio quebra pedras
padre júlio quebra pedras
padre júlio quebra pedras
padre júlio quebra pedras
do dia corrente do tempo
para que os pobres durmam

Varadero anos 60

todos os dias aida percorria
varadero pelas ruas proletárias
porta por porta, campainha quando havia
e entrava. todos os dias lá
ia aida olhar os dentes das crianças
aplicar vacinas nos bracinhos
de luis odalys vilma
porta por porta segurar
nas mãos o futuro é bonito e vive

todos os dias ao fim do dia aida
sentava frente ao mar
meditava o silêncio do mar
e pegava o último ônibus
que saía muito cedo
ainda dia
e hoje ainda sai
igualmente
cedo ainda dia

Cubatão

o carro cortava a funda noite
entre costa e continente quando
o fogo se impôs vertical diante
de nossas jovens curvas vistas

100km/h e vimos longo
o fogo controlado pelas máquinas
sua muda imagem um deus capaz
dar na gente um sentido raro

uma coisa tão bonita e tão
feia a chama da destruição
pretenso infinito em cor transmutada

a gente quieta não sabia quanto
de gente era preciso para manter
viva noite adentro a magia industrial

e os vidros fechados nos livravam do cheiro e do bafo final

Denúncia IV

em 8 de março de 2020
milhares de mulheres se reuniram
na avenida paulista e dividiram
megafones bandeiras guarda-chuvas

o amanhecer por marielle foi
a primeira manifestação cancelada
pelo inesperado da cepa recém
chegada ao brasil

os atos por todo o país se tornaram
panos amarelos pendurados nas janelas
uma forma de coletividade
silenciosa e solar

um exato ano após
a primeira manifestação cancelada
o anoitecer por marielle ilumina
pontos de luz nas paredes do domingo
projetados a curtas distâncias
que ligam um prédio a outro prédio
e formam letras de luz
onde a noite profunda pergunta
quem mandou matar marielle
quem mandou matar marielle
quem mandou matar marielle

Helena Zelic

Nasceu em São Paulo (SP), em 1995. É poeta e militante do movimento feminista. Seu livro mais recente é A libertação de Laura. Também é autora de Durante um terremoto (2018) e das plaquetes 3.255 km (2019) e Caixa preta (2019).

Rascunho