Poemas de A. R. Ammons

Leia os poemas traduzidos "Instante", "Comunicação", "Autoridade", "A jornada perfeita é", "Continuidade", "Falando" e "Epifania"
A. R. Ammons, poeta americano
01/02/2021

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Moment

He turned and
stood

in the moment’s
height,

exhilaration
sucking him up,

shuddering and
lifting

him
jaw and bone

and he said
what

destruction am I
blessed by?

 

Instante

Ele se virou e
ficou

no ápice do
instante,

o júbilo
a consumi-lo

estremecendo e
erguendo-

o

mandíbula e ossos

e ele perguntou
por qual

destruição serei eu
abençoado?

…..

Communication

All day — I’m
surprised — the
orange tree, windy, sunny,
has said nothing:
nevertheless,
four ripe oranges have
dropped and several
dozen
given up a ghost of green.

 

Comunicação

O dia todo — estou
surpreso — a
laranjeira, brisa, sol,
não disse nada:
ainda assim,
quatro laranjas maduras
caíram e muitas
dúzias
a sugerir um tipo de verde espectral.

…..

Dominion

I said
Mr. Schafer
did you get up see the comet:

and
he said
Oh no
let it go by, I don’t care:

he has leaves to rake
and the
plunger on his washing machine isn’t working right:

he’s not amused
by ten-million-mile tails
or any million-mile-an-hour
universal swoosh

or
frozen gases
lit by disturbances

across our
solar arcs

 

Autoridade

Eu perguntei
Sr. Schafer
você se levantou pra ver o cometa:

e
ele disse
Ah, não
deixe-o ir embora, eu não ligo:

ele tem folhas a rastelar
e o
ralo na sua máquina de lavar não está funcionando bem:

ele não se comove
com caudas de dez-milhões-de-milhas
ou algum milhão-de-milhas-por-hora
vruuum universal

ou
com gases congelados
em chamas, agitados

atravessando nossos
círculos solares

…..

The perfect journey is

The perfect journey is
no need to go

another nothingly clear day and
I went
to walk between the pine
colonnades
up the road on the hill and there
hill-high in dry cold
I saw the weaves of glitterment
airborne, so fine,
the breeze sifting
figurations from the snow
reservoirs of the boughs

 

A jornada perfeita é

A jornada perfeita é
ir sem ter que ir

mais um dia claro e vazio
eu saí
para caminhar entre os pinheiros
em forma de colunas
na estrada acima na colina e lá
no alto da colina sob o frio seco
eu vi as tramas brilhantes,
aterrissando, tão delicadas,
a brisa girando
desenhos que a neve fez

em ramos preservados

…..

Continuity

I’ve pressed so
far away from
my desire that

if you asked
me what I
want I would,

accepting the harmonious
completion of the
drift, say annihilation,

probably.

 

Continuidade

Fui com tanta
força pra longe
dos meus desejos que

se você me
perguntasse o que
eu quero eu

aceitando a harmoniosa
completude da
deriva, diria aniquilamento,

provavelmente.

…..

Speaking

There will be rains I’ll need
no shelter from; cold winds
no walls need broach the chill of for me:

when fire splits seams
out of the ground, I won’t
need the warmth at all: love, even,

when you who have given
your days for me, when you
come close, I won’t sense

that last approach: not
knowing how to speak,
I’ll say nothing.

 

Falando

Haverá chuvas para as quais
não precisarei de abrigo; ventos gelados
não exigirão paredes, o frio a me espetar:

quando o fogo rachar as tábuas
arrancando-as do chão, eu não
precisarei do calor: até mesmo o amor,

quando você, que doou
os seus dias para mim, quando você
chegar perto, eu não sentirei

a aproximação: sem
saber o que dizer,
nada direi.

…..

Epiphany

Like a single drop of rain,
the wasp strikes
the windowpane; buzzes rapidly
away, disguising

error in urgent business:
such is the
invisible, hard as glass,
unrenderable by the senses,

not known until stricken by:
some talk that
there is safety in the visible,
the definite, the heard and felt,

pre-stressing the rational and
calling out with
joy, like people far from death:
how puzzled they will be when

going headlong secure in “things”
they strike the
intangible and break, lost,
unaccustomed to transparency, to

being without body, energy
without image:
how they will be dealt
hard realizations, opaque as death.

 

Epifania

Como um solitário pingo de chuva,
a vespa bate
no vidro da janela; zune rapidamente
para longe, disfarçando

o erro nesse negócio urgente:
assim é o
invisível, duro como vidro,
irreconhecível pelos sentidos,

desconhecido até que atingido:
há quem diga que
há segurança no que não se vê,
na exatidão, no que é ouvido e sentido,

pré-esgotando a razão e
bradando com alegria,
como as pessoas ainda longe da morte:
quão confusas elas ficarão quando

indo precipitadamente, protegidas por “coisas”
elas baterem contra o
intangível e se quebrarem, perdidas,
desacostumadas à transparência, a

ficar sem corpo, sem energia e
sem imagem:
como elas lidarão com a
implacável realidade, opaca como a morte.

A. R. Ammons
Nascido em uma fazenda de tabaco na Carolina do Norte, A. R. (Archie Randolph) Ammons (1926-2001) ficou conhecido por uma poesia que, inventiva na forma, ia tranquilamente de observações do cotidiano a reflexões abstratas e filosóficas. Ammons foi sempre um outsider nos círculos poéticos norte-americanos; ainda assim era querido, respeitado (era um dos prediletos de Harold Bloom) e influenciou inúmeros poetas mais jovens.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho