Poemas de Péricles Prade

Cinco poemas de Péricles Prade
Ilustrações: Rafa Camargo
01/09/2012

Poderia ser outono

Muito além da flauta amarga,
sobre o ventre
defunto,
a cor dos cravos brilha.

No velório
a música é medula
do silêncio
anterior ao incêndio provocado
pelo beijo no sexo da amada.

Com o bico torto
um pássaro-ginete
entre florestas de espinhos conduz
os anéis dos noivos separados.

Separados,
porque não é outono
neste Castelo de Gelo.

Ilustrações: Rafa Camargo

Só porque Narciso é meu nome

Um centauro
verde eu vi
cuspindo estrelas no campo.

Nas sobrancelhas da neve
pousei
os arcos de trigo maduro.

Também
sou Legião
quando no fogo
multiplico o jogo.

Água doce
não quero
só porque Narciso é meu nome.

Flutua

É o divino
que me atrai
na morada dos venenos.

Cego,
oro
com as palavras embutidas
nos dentes do oprimido.

Animal algum
viaja no vinho deste copo
que não vejo,
mas na boca flutua
como fruto selvagem.

E por isso
me benzo
com as cores do arco-íris.

Na palma da minha mão

Outro terremoto
com a língua sustento.

Incógnito,
ando com pernas de chacal
no esplendor das cavernas.

Ainda estão,
na cabeça emplumada,
as pedras da loucura
fabricada no pântano dos enigmas.

Obediente,
com vértebras a menos
coloco o dorso do animal franzino
na palma da minha mão.

Ilustrações: Rafa Camargo

Sob as árvores de maio

Relâmpagos
amáveis
seduzem as flores
sob as árvores de maio.

Ouço
violinos no abismo
onde geme a leprosa.

Da face enlutada
extraio
a seiva da melancolia.

Feliz,
durmo na redoma
em posição de gênio servente.

Péricles Prade

É poeta, contista e crítico de arte. Publicou os livros de poemas Nos limites do fogo (1976), Os faróis invisíveis (1980) e Sob a faca giratória (2010), entre outros. Os poemas aqui publicados pertencem ao livro inédito Casa de máscaras.

Rascunho