Poemas de Norah Lorenzo

Leia os poemas traduzidos "Vais", "Aonde queres chegar?", "1976", "Insone (I)" e "Insone (3)"
01/12/2009

Tradução: Ronaldo Cagiano

Vais

Ela está sobre seus olhos
equilibra os pés no olhar
tem a forma de suas costas,
a cor da cinza.

Só se vê no espelho cego de sua retina.

Ela chega até seus sonhos
e lhe pede em silêncio a lembrança
de uma frase: olhos de cão azul.

Desespera
tocar o olhar,
encontrar-se
neste lado dos lábios;
ajustar o rosto ardente
às palavras esquecidas,
às palavras nunca apreendidas.

Quem é você?, perguntas
sobre a chama de cada meia-noite.

Ela canta no vento das horas
para acender as paredes:
olhos de cão azul.

Aonde queres chegar?

Retocar a expressão dos rostos
penetrar como navalha em suas rugas
que tremem
ao engolir as palavras.

Ser a garra que arrasta suas misérias
a patada sonora que expulsa suas angústias.

Aonde quereis chegar,
Menina galhofeira?

Fazer estragos até romper-se o crânio
com o pó da minha lubricidade,
ser o pesadelo que te toma
e habita tua estupidez.

1976

Todos escutaram os golpes
mas foi a criança de pezinhos magros
a que abriu a porta
a que sentiu sobre seu rosto
a fúria assassina,
Trimegisto uniformizado.

A realidade já não seria a realidade
Necessário inventar outro mundo
Necessário inventar outra verdade
Criar outra mentira.

A criancinha de pezinhos magros
gritava ao seu avô
que escondia as palavras
que em uma caixa guardava a sua verdade.

Silêncio.
A menininha com pés magros
perde seus olhos verdadeiros
diante da fogueira
que devora sua memória.
Só recorda mortos.

Necessário inventar outro mundo.
Necessário inventar outra palavra.
Necessário criar o poema.

Insone (I)

Insone,
como as sestas sobre Haedo
à espera da cigana que te levará,
como dizia sua mãe, se não fores dormir.

O cheiro de jasmim come as palavras
a laranjeira guia o derroteiro
o pátio desaparece como seus olhos de sete anos
quando olhavas com as lentes do avô.

Quando tudo se faz cor
a retina se escurece
e pedes permissão, pequena,
para ficar a viver
nestes sonhos, assim,
insone,
ainda que seja somente um tempo.

Insone (3)

Insone,
encontrarás os ruídos da outra vida:
papai se barbeia em frente a um espelho na cozinha,
Rádio Colônia e a venda de um perramus.

Que é um “perramus”, perguntam seus olhos de oito anos.
Estava ali uma mensagem codificada
que papai esperava?

No entanto, as notícias falavam
da morte de um general
ou presidente — é o mesmo, diria o avô.

Os ruídos de outra vida
se convertem em cadeias, e o silêncio
amordaça as lembranças.

Norah Lorenzo
Nasceu em Haedo, província de Buenos Aires, em 1966, onde vive. É professora de língua e literatura argentina. Escreve artigos e resenhas em periódicos. Co-editora da revista La Piel. É autora do livro Ella escrita en papelitos (Macedonia Editorial, 2008).
Ronaldo Cagiano

Nasceu em Cataguases (MG). Formado em Direito, está atualmente radicado em Portugal. É autor de Eles não moram mais aqui (Contos, Prêmio Jabuti 2016), O mundo sem explicação (Poesia, Lisboa, 2018), Todos os desertos: e depois? (Contos, 2018) e Cartografia do abismo (Poesia, 2020), entre outros.

Rascunho