Minha mulher

Conto inédito de Daniel Moraes
Ilustração: Dê Almeida
01/11/2021

Os meus amigos zombam de mim porque amo Marina. Não entendo. Marina é uma mulher linda, inteligente, engraçada. E daí que ela tem pau? Cada pessoa tem sua particularidade. A de Marina é que ela tem pau. Um detalhe que, muitas vezes, até esqueço. Para ser honesto, acho que o pau de Marina é uma qualidade. Vejo as outras mulheres, as que não têm pau, e elas me parecem problemáticas, ciumentas, paranoicas. Marina, não. Marina me entende. Sabe que eu preciso do meu espaço e do meu tempo, inclusive para não fazer nada. Homem gosta de não fazer nada; de apenas sentar no sofá, coçar o saco, fechar os olhos. Homens são animais simples.

Mas agora os meus amigos dizem que não sou homem por causa do meu relacionamento com Marina. Não me importo. Eles não sabem o que dizem, como os hereges da bíblia. Sou muito homem. Homem o suficiente para não me importar com o pau de Marina. Por falar em bíblia, tenho uma tia crente que diz que eu e Marina vamos para o inferno porque praticamos obscenidades. Mas o que há de obsceno no nosso amor?

Talvez ela se refira ao trabalho de Marina. Mas eu garanto: ela não se prostitui porque quer ou porque gosta. Marina é muito inteligente, formada em jornalismo, queria ser repórter de tevê, mas nunca conseguiu oportunidade; nem mesmo as lojas de esquina, dessas que vendem camisas vagabundas, dão emprego a Marina. Talvez seja diferente lá para as bandas do sudeste, mas por aqui onde a gente vive é assim. É claro que eu também não gosto que ela se prostitua, mas quem sou eu para dizer com o que Marina pode ou não trabalhar?

Eu mesmo trabalho num emprego chinfrim, vendendo filtro pra carro num balcão sujo de loja. Faço mil e quinhentos por mês. Marina às vezes faz isso por semana. É verdade que, de vez em quando, aparecem alguns clientes folgados, que agridem Marina, não pagam o combinado. Mas ela sabe se defender e, desde o ano passado, não trabalha mais da rua. Montou um site bacana, e é por lá que aparecem os clientes. Alguns, inclusive, pagam só para ver Marina se despir pela câmera do computador — um fetiche besta, na minha opinião.

Mas Marina me disse que vai deixar essa vida e abrir um canal de maquiagem no YouTube, e que tem o sonho de ser mãe. Achei linda essa revelação. Contei para a minha família, mas todos riram da minha cara, como se eu tivesse dito uma bobagem. O meu pai, às gargalhadas, disse que aparelho excretor não reproduz. Não sei do que ele estava falando, mas tenho certeza que não foi uma coisa legal, porque a minha irmã, mesmo rindo, o repreendeu — dando um tapinha de leve no braço dele.

Marina ficou sabendo de mais essa conversa e chorou muito. Disse que estava cansada de tudo aquilo, que arrancaria o mal pela raiz. Quando eu entendi o que ela quis dizer, já era tarde demais: Marina já tinha cortado o pau fora com uma faca de cozinha. Eu nunca tinha visto tanto sangue na minha vida.

Marina desmaiou de dor, mas eu agi rápido, peguei o carro e voei para o hospital. Liguei para a minha família no caminho.

Eu estava na sala de espera, aflito, quando o meu pai veio ao meu encontro. Meu filho isso, meu filho aquilo. Minha mãe e a minha irmã só choravam, abraçadas num canto. “E daí que ela tinha pau?”, perguntei ao meu velho. Ele não respondeu, só abaixou a cabeça e começou a chorar como um viadinho.

Daniel Moraes

Nasceu em São Luís (MA), em 1992. É jornalista e escritor.

Rascunho