Poemas de Mariana Ianelli

Leia os poemas "Descendência" e "Extensão do mito"
Mariana Ianelli, autora de “Treva alvorada” Foto: Clóvis Ferreira
01/04/2009

Descendência

Sou o poema tresmalhado
Que um lobo traz à boca
Como prêmio
De um passeio ao campo.

Vive em mim
O irmão mais velho
Debruçado sobre o chão
Cavando, cavando com as unhas.

Aqui uma cidade se levanta,
Força e música,
Já a prostituta distribui
Os seus encantos.

Uma primeira espada
Deslizando
E há o deserto em mim,
Que seca todo pranto.

Morre aqui eternamente
O ladrão do fogo,
Morre Abel, a cada verso
A terra faz ouvir seu sangue.

O animal que há milênios
Me carrega
Tem a marca
Da educação pela sombra.

Extensão do mito

Contam que ele desceu
Ao vale dos esquecidos
E cantou acima do suplício.

Que apaziguou o vento,
Estufou as vinhas,
De olhos fechados
Seduziu a serpente
Como se replantasse
O primeiro jardim.

Que foi odiado, despedaçado,
Lançado ao mar,
Para nunca mais
Uma voz se atrever à harmonia.

Mas não contam que uma mulher
Reuniu seus fragmentos
E encantou as mulheres da ilha,
Que assim Orfeu amou Eurídice,
Finalmente em corpo e lira.

Mariana Ianelli

Nasceu em São Paulo em 1979. Formada em jornalismo, mestre em literatura e crítica literária, estreou na poesia em 1999 com Trajetória de antes. Em 2013, estreou na crônica com Breves anotações sobre um tigre. É também autora de dois livros infantis. Desde agosto de 2018, edita a página Poesia Brasileira no Rascunho. Escreve quinzenalmente, aos sábados, na revista digital de crônicas Rubem.

Rascunho