Possíveis
Na praia,
ela falava
— Nós não podemos pescar.
Repetiu a frase
até os olhos
secarem.
Voltamos para a floresta,
seguindo pios
de aves estranhas.
E colhíamos folhas verdes,
diferentes folhas
de tantos verdes.
E ela dizia
— Veja, as folhas
são nossos peixes.
Repouso
Estamos cansados, com fome.
Estamos tristes por transmutação
do cinto apertado, por chegar
na hora errada a lugares inexatos,
atravessar a linha extensa e fugaz
que vai do topo ao subsolo,
ouvindo acusações no trajeto,
ou um tera de palavras que não consolam,
nesses alheios a tudo que passamos,
e deixamos de contar, não pela neblina
ou segredo, mas com a exaustão do relato
e porque já nos pusemos demais
ao avesso, já não há o que mostrar.
E então desejamos trégua,
abrigo, para nós, que nem estivemos
em desertos ou campos de refugiados,
mas sim, nos enganamos no caminho
com a promessa irreal
de que é possível descansar.
Desolação
I
Tiraram-nos o sol,
as mãos, a pele.
Estão secos os campos
de trigo.
Nesta baía,
a água não vive.
Repete a última
e desoladora palavra.
II
Somos o povo
sem destino e herança
: surdos, cegos, vergados.
III
À porta do templo,
os dentes dos lobos
nos raspam os ossos.