Poema de Davino Ribeiro de Sena

Leia o poema "A cobra no quintal" de Davino Ribeiro de Sena
Davino Ribeiro De Sena, autor de “Expedição”
01/06/2008

A cobra no quintal

Elas vieram antes de nós.
Ergueram templos de ouro
ainda vivos na selva.
Sobreviveram a cataclismos
anteriores à humana era…

A imaginação cria seres
sem aura, frias serpentes.
Esquivas almas, escondem-se
nos grotões lodosos do medo.
Esperam um sinal que virá…

A rainha tem uma na bolsa.
O príncipe tem uma no relógio.
A moda nos devolveu a mata.
Mas tudo o que se diz sobre elas
parece dissolver-se em fumaça.

Vivem nas entranhas do planeta.
Se um meteoro cair e aplastar
o azul, é certo que morreremos
mas elas não, elas viverão
para contar nossa tragédia.

As cidades subterrâneas
têm serpentes que caminham
e uma vibração misteriosa
anima os rituais onde
humanos são reptilizados.

Viu-as o inglês Fawcett
antes de ser presa dos kalapalos
antes de matá-lo a borduna
a cabeça encolhida num saco
viu-as e temeu pela raça humana.

A imaginação nos prevenira.
Todos os macacos da Amazônia
dizem a mesma coisa: elas virão!
Se os macacos pudessem dizer
diriam do que elas são capazes.

Os símios não precisam
nos convencer de mais nada.
Tudo já foi dito nas escolas
que ensinam aos meninos
o sonho da antiga cobra.

Os adolescentes caminham
na areia dos próprios anos
como tartarugas migrantes
de mochila apensa às costas
e sonho apenso ao casco.

Florescemos em netos!
Não permita Deus que nós
os abandonemos à sorte!
lutaremos contra os seres
que o escuro faz mais fortes.

A imaginação nos alerta.
Há seres antigos, serpes,
que mergulharam na Terra.
Linhagem de reis e príncipes
longe do azul da atmosfera.

A imaginação nos faz ver
a verdade mais absurda
das cobras no quintal
mas não conduz à luta
perdida de antemão.

Elas se movem em naves
em estonteante velocidade
piruetas em zê fazem
nos fiordes da Noruega
nos lagos da Nicarágua…

Dentro da água se movem
como se de água fossem
como se mandassem na água
uma água magnetizada
uma água obediente.

As naves aparecem no ar
e no ar real, como se movem!
Sinta a velocidade, Einstein!
Os aviões mais velozes são
como brinquedos euclidianos.

Sorriem condescendentes
como o ancestral lagarto
que ensina o homem a ver
mas prefere outra vida
entre as folhas, sob pedras.

As cobras vestem-se de folhas.
Sabem que a Terra tem dono
e o dono é Deus, que pode
esmagá-las com um piparote.
Elas não desatam este nó.

As cobras vivem na pedra.
Enquanto respeitarem a Terra
e a lei divina, nós e os macacos
seguiremos nus e engraçados.
Elas nada podem contra nós.

“Jesus não nos abandone
nesta hora! Venha Jesus
com um exército de anjos!
Venha com sua espada.
Lutaremos a seu lado.

Quando elas vierem, o mundo
ficará coberto pelo escuro.
Elas fugirão, Jesus, de tua luz
que salva o homem do escuro.
Tua luz, entre luzes, será Luz.”

A cobra se fez visível
uma, duas vezes, e se foi
na cantante relva do quintal
com gestos de realeza
fria serpente princesa.

Davino Ribeiro de Sena

Nasceu no Recife (PE). Como diplomata, viveu na Espanha, Austrália, Japão e Estados Unidos. É autor de Castelos de areia, O jaguar no deserto, Expedição, entre outros.

Rascunho