Por Marcio Renato dos Santos e Vitor Mann
A parede no escuro, romance de Altair Martins, começa na capa. A ilustração de Rodrigo Pecci insinua chover, e é em meio a uma chuva que se dá um dos momentos-chave da longa narrativa. Um motorista atropela e mata um padeiro. O corpo cai. E o sujeito responsável pela ação segue. Ao final, a exemplo de um Raskólnikov dostoievskiano, ficará tentado a verbalizar a terceiros o seu crime mesmo sabendo dos possíveis castigos. Mas esse desenrolar acontece após muita água, páginas e uma aventura literária passadas.
O experimento ficcional do escritor gaúcho tem, muito mais que no enredo, na linguagem o seu ápice. O texto revela um inventa-língua. O fluxo do que é escrito dialoga com possíveis oralidades, ritmo da fala, às vezes do pensar demasiadamente humano. E mais: uma mesma cena, por exemplo, é apresentada no mínimo por dois pontos de vista. Em alguns casos, uma ação oferecida por um olhar é posteriormente desconstruída a partir de uma mirada outra. O livro que começa na capa tem na tonalidade escura outra pista: há densidade, nem tão fácil de penetrar mas, uma vez dentro, irresistível.
O acidente fatal deflagra camadas: o leitor é arremessado a trilhas que desnudam um Brasil profundo. A família que perde o seu provedor enterra o corpo e fica sem saber quem foi o responsável pelo crime: mais, os entes temem que o criminoso venha a ser alguém do andar de cima, com recursos para não apenas calar a lei como perseguir os parentes do falecido. O sujeito que matou o padeiro não tem, inicialmente, a sua identidade revelada a quem lê, mas os seus temores se evidenciam em meio à narrativa. Ao final, muito se esclarece. Mas, antes disso, o que surge são os impasses do criminoso: ele é um professor.
A atual conjuntura socioeconômica brasileira é descortinada pela situação de um professor, que neste século 21 apanha de aluno, é massacrado todo fim de mês com um salário que mal garante sobreviver e ainda, sobretudo na rede paga, há o constrangimento de ter de aprovar os alunos-cliente, entre outras humilhações.
Uma polifonia, que propositalmente confunde e não pontua que fala, a exemplo do que acontece na realidade destes tempos 2008, eis que tal polivocalização evoca por meio de imagens a situação de quem habita o andar de baixo deste grande sertão: Brasil. Ratos, escutar paredes, nosso pai bebe pra chuchu, aluninha putinha, bala soft, entre frases que não têm outro destino que não acertar o alvo, seja lá qual for (leitores, por exemplo), como: “veterinário não tem que gostar de bicho. Quem gosta de bicho é o dono”. Ou: “O camarada que sai sem guarda-chuva ta desamparado”. E mesmo: “E o calor me mostrando que as coisas sempre podiam ficar mais difíceis”.
Enquanto os argentinos continuam lendo, os nossos alunos de molho na internet, tricotando bobagens, você, leitor do Rascunho, faz-de-conta que este texto é uma resenha, feita que foi em dupla, e aceitando apenas a casca vazia do pão, tem uma opção: abandonar este jornal e ler o que interessa, que é A parede no escuro, o terceiro livro do escritor gaúcho Altair Martins, de 33 anos. Mas, se não houver livraria por perto, nem o som genial do compositor gaúcho Nei Lisboa para viajar no cosmo, e se um silêncio sem fim se fizer no seu horizonte o mais próximo possível, fica a sugestão de seguir na fluência e acompanhar uma entrevista (que não tem intertítulos, apenas pergunta seguida de resposta) feita com este autor, que já escreveu e publicou dois outros livros (ambos de contos), Como se moesse ferro (1999) e Se chovessem pássaros (2003).
• Bom, em primeiro lugar, antes de qualquer pergunta, é importante afirmar: A parede no escuro é um livro excelente. Tão bom, ótimo demais, pelas várias camadas que apresenta. Em determinado momento, ou nuance, o livro faz uma espécie de leitura do Brasil a partir da condição dos professores. No texto, não nestas palavras, mas nas suas, geniais, se fala que hoje o professor tem de aprovar, que agora professor apanha de aluno, e dá a impressão de que o sistema educacional virou um lixo. Você, que é professor, poderia comentar como é a sua experiência em lecionar neste Brasil tão cruel com os professores?
Lecionar é fazer o papel social de que os pais se omitem: a palavra “não” foi excluída de casa; assim, os pais preparam o filho para o convívio com o próprio quarto e o aparelho de mp3, eles já não nascem com mp3 nos ouvidos? A família acabou desdentada. Lecionar, por isso, é servir de pára-choque nas questões de enfrentamento com o mundo, com o outro e consigo mesmo. O professor, há muito, teve seu papel deslocado do conteúdo para o preenchimento do buraco deixado pelo pai ausente. Muito se diz sobre o problema da educação no Brasil. A meu ver a escola e os professores têm sua parcela de culpa; aos pais, contudo, cabe a maior delas.
• Além de lecionar em escolas em Porto Alegre, você também é responsável pela cadeira de Contos no curso de Formação de Escritores da Unisinos, em São Leopoldo. O que acontece nesse curso? Como funciona? Quem são os alunos? Quais os resultados até agora?
O curso sofre ainda de carência de alunos. Na oficina de contos, discutimos teoria e produção, todas as semanas. O resultado é excelente quanto ao nível crítico que atingimos nas leituras, e creio que esse seja o maior resultado. Ainda assim, os alunos já estão produzindo e publicando, e parte deles já está ingressando no mercado de agentes literários.
• O Rio Grande do Sul, também via curso do Luiz Antonio Assis Brasil, revelou ao país nomes interessantes: Cintia Moscovich, Daniel Galera, etc. Os cursos de literatura, de formação de escritor, vieram para provar que é preciso aprofundar e sistematizar o “ensino” de literatura? E mais: por que o RS gera tantos escritores bons?
Tenho a impressão de que estudar literatura tem sido fundamental para tornar o RS um pólo não só de produção literária como de leitura. Por isso, alcançamos índices de leitura comparáveis aos dos nossos hermanos. Ainda estamos longe, porém, de uma condição que nos permita dizer que gozamos de situação muito diferente do resto do Brasil. Muitos escritores surgem aqui porque nos lemos muito e nos criticamos também. Há no estado uma cultura voltada para os livros em paridade com outras artes mais populares, como a música. Quanto às oficinas, creio que, mais que escritores, elas vêm formando leitores qualificados também.
• Em Curitiba, sobretudo nos anos 1980, talvez um pouco durante os 1990, falava-se na autofagia. O curitibano, supostamente, não digeriria o artista curitibano. Creio que isso é balela. Em todo lugar há concorrência. Fala-se muito na “generosidade” gaúcha, o povo que lê e consome os seus próprios autores. Mas quem venera Sergio Napp em Porto Alegre? A cidade é mesmo generosa com todos os seus filhos, autores? Ou há panelas e autofagia por aí?
Há também panelas gaúchas, com arroz de carreteiro. Existe uma espécie de “brodismo”, novo círculo primário de Lévi-Strauss: “fulano é meu bróder, então escreve bem”. Mas, na medida do possível, e dividido por gostos, nos lemos, sim. Cristovão Tezza, numa palestra ano passado pela Unisinos, na Feira do Livro de São Leopoldo, disse estar surpreso com a frase que era distribuída, sob a forma de adesivo, na Feira de Porto Alegre: “Autor gaúcho — eu leio”. Por mais que pareça exagerado, é em parte verdade. Comecei a ler pelos autores gaúchos. O IEL, Instituto Estadual do Livro, teve parcela importante nesse processo por divulgar, junto às escolas da rede pública, materiais educativos sobre nossa produção. São cadernos para cada autor, com biobibliografia, ensaios, textos, imagens.
• Entre as camadas de sua obra, lemos o crime: Um sujeito, que saberemos ao final que é o Emanuel, o professor, atropelou um padeiro, e não ajudou. Mas durante grande parte da obra não ficamos sabemos que é ele o assassino, apesar de entrarmos em contato com as idéias dele. Como foi criar um personagem presente, mas escondido dentro de A parede no escuro?
Emanuel é o pai que não assume nada. Tem nome, mas sequer aceita a paternidade de Fojo. Requer um mundo ordenado ao seu redor, mas creio que essa ordenação externa é simulacro para um cara de sangue bamba. Por isso sua sintaxe é tão encolhida, as frases fragmentadas, repletas de gerúndios suspensos. A angústia de Emanuel decorre de uma confusão de tempo e de espaço. Uma das coisas essenciais do processo de escrita de um romance com narradores simultâneos é, além da linguagem, o jogo tempo-espaço. A parede no escuro não marca nitidamente tempo porque o mundo atual enfatiza o espaço simultâneo em detrimento da durée de Bergson. Em outros termos, é cada mais difícil narrar o que não se controla, o que não passa pelo domínio da experiência. Se o mundo parece girar, apagando e recuperando informações, trabalhando com uma gama de dados que cada vez exigem uma capacidade de totalização quase impossível, a noção de onipresença e de onisciência se reveste de angústia. Não há mais espaços e tempos improváveis. Emanuel tem todos os direitos e deveres porque parece que está em todos os lugares e tem a obrigação de se informar de tudo à sua volta. Tenho mais pena dele que vontade de condená-lo: o mundo em que vive é co-autor do crime. Por que então ele, no dizer de Coivara, deveria assumir “um filho que não lhe pertence”?
• O protagonista broxa, professor, falha sexualmente com a aluna. Lecionar é algo que broxa?
Também. Creio que a tua interpretação é absolutamente correta. De certa maneira uma imagem do romance remete a outra, como se uma cena explicasse a narrativa vizinha. Lecionar é falar com paredes, recitar poemas para os ventiladores e fingir que avaliamos alguém. Nas reuniões de pais, falamos de pedagogias superiormente modernas. Como diz o Coivara, “só falta piscar o olho”. A escola em que trabalho há um esforço por qualidade nas aulas, mas parece que os pais nos consideram inimigos quando simplesmente avaliamos, da maneira mais neutra possível, seus filhos. Mas por outro lado Emanuel broxa porque também no texto se assinala a morte do homem, mito que sempre serviu de pilar de sustentação para o patriarcalismo.
• Em vários momentos da narrativa, duas vozes tratam da mesma ação apresentada, são dois pontos de vista distintos, a exemplo da transa frustrada do professor com a aluna. De onde veio essa idéia?
As cenas do romance, em espaços reduzidos, as cenas dificilmente se apresentam panorâmicas, denotam esse mundo. Por isso, narradores verdadeiramente “disputam” o mesmo espaço narrativo, cujo limite parece efetivamente estar na fala do outro. A teoria da superficialidade afirmaria a “morte” do sujeito centrado, considerado o que se chama “pai narrativo”, o narrador sempre refletiu a imagem do sujeito todo poderoso da ficção, afinal foi, e por vezes ainda o é, aquele que conta. Na verdade o desamparo que percorre o livro, do professor, do padeiro, dos pais, da polícia, dos alunos, atinge o narrador. Por isso o romance trabalha com mais de dez narradores, cada um com sua sintaxe, sem que isso implique divisões de cena ou capítulos. A idéia é esta mesmo: mostrar que, numa época em que os pilares desmoronaram, também o narrador, como condutor de uma história, viu seu espaço “mononarrativo” ruir. A sensação de desamparo é a mesma que sinto quanto ao assalto simultâneo das mídias hoje em dia. A crise do narrador é a questão que mais me ocupa.
• Há observações muito inteligentes em meio a essa narrativa. Conhecimento de vida. Inclusive, há uma experiência de recriar a oralidade. Para você, qual a importância da oralidade, da cultura do povo?
Todos os narradores têm referência no mundo real: Onira tem a sintaxe de minha mãe; Adorno, de meu padrasto; colhi o Coivara de vários professores de cursinho com os quais convivi, e ele tem um pouco da minha linguagem também. Já o Emanuel nasceu da sintaxe de textos dos alunos, algo como uma escrita aos pedaços, com referentes anafóricos desnecessários, com frases viúvas. Escrever, para mim, é antes de tudo escutar. E colher. Meu laboratório é meu dia-a-dia: estou sempre coletando sucata. Por isso, para a elaboração de tantos narradores diferentes, adotei envelopes com seus nomes, dentro dos quais fui depositando frases e estruturas sintáticas que me pareciam convir com cada um deles.
• O criminoso, Emanuel, está a fim de confessar o crime ao final. Isso tem a ver com Crime e castigo, do Dostoiévski? Caso sim, caso não, com quem você conversou literariamente ao escrever A parede no escuro?
Crime e castigo está dentro de quase todos os livros sobre algum crime. Também é um romance usado por Bakhtin para a análise da polifonia. É um livro-base. Mas não me baseei nele, ao menos com consciência. Meu romance não é sobre um crime, mas sobre a morte do “Pai”, em todas as instâncias. As paredes referenciais caíram, e não vejo crime nem castigo quanto a isso. Quanto à segunda questão, infelizmente escrevi o livro às escuras; não contei com ninguém, à exceção de minha orientadora, professora Márcia Ivana de Lima e Silva, da UFRGS. Ela me auxiliou com a primeira impressão de leitura. Escrevi o livro sozinho, absolutamente sozinho, como quase tudo o que venho fazendo. Sou meio samambaia: minha produção é solitária e silenciosa.
• Você é mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS. O que a universidade te ajudou, o que você aprendeu lá e traz consigo para a sua vida, seja enquanto autor, leitor, humano que é?
Tornei-me leitor em Guaíba, cidade que dista 25 km da capital e que só foi ter livraria há uns 6 anos. Li pela biblioteca pública de lá, em intervalos de trabalho de banco, eu, que era boy. Depois fui ser chargista, trabalhar como ator e até como carnavalesco. Quando cheguei ao curso de Letras da UFRGS, não conhecia, à exceção de Kafka, Gabriel García Márquez e Stevenson, escritores estrangeiros. Mas tinha lido os grandes brasileiros, sobretudo a poesia. O que consegui até hoje devo à UFRGS. A universidade pública me igualou em condições com os mais “privilegiados”, que palavra antiga!, pois usava, e ainda hoje, o revolucionário sistema educacional “te vira, magrão”. Todos eram iguais, então fui à luta. Estudei francês e literatura; fiz mestrado e estou no doutorado, pois pretendo ser escritor. Amo estudar, qualquer coisa que seja. Perguntei à minha orientadora se, depois do doutorado, me aceitariam como aluno especial na pós-graduação. Ela disse que sim. Entendi que poderei ficar por muito tempo pelos corredores e salas de aula de lá.
• O que você acha do pôr-do-sol do Guaíba? Você ainda mora em Guaíba? O que acha do fato (pôr-do-sol)?
Morei em Guaíba dos 3 anos aos 32. Atualmente moro em Porto Alegre, por questões profissionais. A Pedras Brancas do romance é um amálgama de Guaíbas de diferentes épocas, algumas que nem vivi. Minha mãe trabalhou na Brasilã do livro; meu padrasto, na Borregard, antiga fábrica de celulose. Guaíba sempre foi uma cidade pequena, com a melhor vista de Porto Alegre, fica do outro lado do lago e, à noite, é fantasticamente bela; lá se come um dos melhores filés à parmegiana do sul do Brasil. Hoje, contudo, a cidade virou um canteiro de obras com a duplicação de uma grande fábrica de celulose. Mas ainda, de lá da beira do lago, se vê o nascer do sol, o avesso da capital. Para mim, Guaíba é uma medida com a qual entendo as outras cidades, se grandes, se pequenas, se ricas, se pobres…
• Ser gaúcho é…?
O gaúcho é um sujeito desconfiado com o tempo, preocupado com a história. Aprecio nos autores nordestinos aquela geopoética deles, que nasce da intimidade com o espaço. Nós, gaúchos, pampeiros ou não, olhamos para o espaço e o entendemos como uma linha no horizonte, depois da qual só restam histórias. Amamos o passado, e isso talvez nos torne bairristas à medida que o resto do Brasil, sobretudo São Paulo, respira presente. De espiar a fechadura do que fomos, aprendemos um pouco de melancolia, como a milonga que nos traduz.
• Você considera a sua trajetória do livro verde Como se moesse ferro, incluindo o brilhante Se chovessem pássaros ao genial A parede no escuro uma trajetória incrível?
Não considero que eu tenha trajetória. Estou estreando em literatura. Escrevi algumas histórias a que deram a ousadia de chamar de contos. Não sei como farei daqui para diante, mas, por enquanto, não penso em reeditar os livros anteriores. Escrevi o que escrevi por erros e acertos: os erros advieram do deslumbre com as palavras, talvez o que, na medida certa, falte a muitos escritores ditos “secos”; os acertos surgiram da coragem de escrever sem me preocupar com os erros, buscando o que eu julgava legítimo. Leio securas publicadas aqui e ali, sobretudo de jovens como eu, e penso sempre que faltou a coragem de se arriscar ao erro. Sempre pequei pelo excesso, pela ousadia, e nunca pela covardia. Prefiro uma frase rica em meio a um ramalhete de coisas tortas do que qualquer coisa com cheiro de plástico. Já disseram que sou verborrágico. É verdade. Mas a crítica literária no Brasil é a constatação do que sobrou; nunca do que faltou.
• A parede no escuro começa a se revelar na capa. A chuva no livro é importante, já presente na capa. Você encomendou essa capa?
A capa é parte da genialidade do Rodrigo Pecci, um gravador daqui do sul a que os guris da banda Cachorro Grande, todos colorados geniais, apelidaram de “Planta”, pois ele tem o costume de ficar parado, com os braços cruzados. Mas, quando o Rodrigo destorce os braços, só sai coisa boa: linhas sutis, sugestivas. Ele fez imagens para todo o livro, mas só conseguimos negociar a capa. E um artista à procura de novos trabalhos pelas editoras e revistas do País.
• Sua experiência com linguagem é impressionante. Quanto tempo você levou para pensar, conceber e escrever A parede no escuro?
Levei 7 anos para concluir A parede no escuro. Há dois anos, defendi o texto no mestrado sob o nome de Desamparo. Mas percebi depois que se tratava da tese do livro e não de um título. O trabalho de criar sintaxes para cada narrador é que levou o texto a tal demora. No fundo, foi uma espera deliciosa: gosto do momento da solidão do texto, do trabalho com a linguagem. Sou como um diretor de teatro: depois que o livro é publicado, me sinto meio órfão.
• Tem projetos em andamento?
Estou escrevendo um livro de contos chamado provisoriamente de Enquanto água. São textos sobre sensações fluidas, afogamentos, mergulhos surpreendentes, derretimentos. Trata-se de reflexões sobre a fluidez como a vida desliza hoje, sem que possamos reter qualquer coisa. Meu maior projeto, contudo, é fazer meu romance chegar ao público: sinto que A parede no escuro tem novidade, mas por enquanto permanece num silêncio aterrador.
• Como é a sua rotina? Lê tudo ao mesmo tempo agora, um livro de cada vez, como é?
Costumo ler mais de um livro por vez, mas prefiro me concentrar em um só, o que ocorre geralmente nas férias. Quando consigo me submeter a um só livro, sou lento, porque gosto de ler as respirações dos vãos, dos entremeios. Por isso aprecio texto com linguagem, com coragem, como se diz por aqui, textos que “metem a cara”. Prefiro o que vaza ao que não faz peso.
• Qual a sua opinião a respeito de Porto Alegre?
Porto Alegre é a cidade onde nasci. Sei que se decepcionarão os meus conterrâneos, mas acho uma cidade feia. O que há de mais bonito agoniza, que é lago, antigo rio, cada vez mais cercado de descaso e de edifícios. Contudo, do ponto de vista natural, é uma cidade que adotou os jacarandás e a melhor luz do Brasil, com nuanças de cores desde o amanhecer até o pôr-do-sol.
• Quem é Altair Martins?
Altair é um cara que não gosta de coisas engraçadinhas, odeia dançar e não entende por que alguém gosta. Ele ainda acredita que literatura é tragédia, dilaceramento humano, mas anda lendo muito humor repetido e muitos livros que repetem o mesmo narrador. Mas o Altair é, sobretudo, um sujeito que tem mulher e dois filhos e que dá muita aula para sobreviver. Ele foi assaltado mês passado e ficou sem documentos. Não é por isso que anda reclamando da vida. É que ela, a vida, tem passado por ele, com suas palestras com Galeano, Pepetela, José Celso Martinez, shows com Drexler, com Fito Paez, degustações de vinho, lançamento de livros amigos, jogos do Inter, e o Altair acaba sempre perdendo tudo por estar dando aula. Por fim ele revela que já tem o título para seu livro de memórias: A vida enquanto eu dava aula.