Réplica de um papagaio anacrônico

Resposta de Mauro Pinheiro à resenha de Cida Sepulveda, publicada na edição 107 do Rascunho
01/05/2009

Preservando-se as proporções, uma resenha demolidora de um livro na imprensa tem efeito semelhante ao de uma execução sumária. Se for injusta, erra pelo dano que causará na trajetória da vida, no caso, da obra. E a justiça de um parecer literário é sempre subjetiva. Qualquer reparação posterior corre o risco de passar despercebida. Daí a importância de ser cauteloso com suas opiniões.

A resenha da senhora Cida Sepulveda do meu livro de contos Os caminhantes, publicada nas páginas do Rascunho de março de 2009, me pareceu um fuzilamento. Suas palavras recendem a chumbo e enxofre.

Como reagir a uma crítica desfavorável sem se fazer de mártir nem de anjo vingador?

Esta foi a pergunta que me fiz, após a leitura desta resenha. Como reagir sem ferir meus próprios princípios, que defendem a liberdade de expressão para todos que queiram dizer alguma coisa, ainda que sejam leviandades inócuas? Mas vale um ignaro falante que um gênio amordaçado. Será?

Pondo de lado o direito de cada um de dizer as asneiras que lhe povoam a mente, a segunda questão que me ocorreu foi: Quem é essa pessoa? Que sumidade literária é esta de quem nunca ouvi falar e que evacua dogmas como se a literatura lhe devesse a própria gênese?

A curiosidade me levou a procurar textos seus na internet. Achei um conto de sua autoria que me lavou a alma de um rancor inútil. Ah, então é assim que se escreve? Estou salvo. Sem falar na profundidade dos seus versos: “sangue sangue sangue/ bebida ofertada aos homens/ de fontes imberbes da alma” (fontes imberbes da alma, uau!). Ou então: “Meu amor/ É impulso incontrolável/ De liberdade…” Se a autora dessas banalidades tivesse gostado do meu livro, eu repensaria seriamente meu ofício.

Da resenha em questão não consta nenhum dado biográfico ou bibliográfico meu, embora eu seja um velho conhecido do jornal. Talvez a resenhista tenha considerado desnecessárias tais referências. E de fato, ela estava ali para avaliar o livro em questão, não outras informações que, quem sabe, inibiriam sua verve devastadora. Mas, atenção, isso não é comum; resenhistas intelectualmente honestos procuram conhecer a obra do autor resenhado, antes de se debruçarem sobre um de seus livros (como, aliás, ocorre na crítica, também desfavorável, feita por Mauricio Melo Júnior ao último livro de Tabajaras Ruas, na mesma edição do jornal). Não se trata de um código de conduta ou de uma regra editorial, e sim de uma sensibilidade esclarecida. Uma questão de humildade e respeito. E essas qualidades, nós as temos ou não. Não se aprendem na Unicamp.

Tenho a incômoda impressão de ter servido de “escada” para uma escritora iniciante, apesar da idade, como o denunciam suas tiradas cabotinas (“Freqüentemente, nós escritores não criamos, mas apenas copiamos…”, “…é um dos parâmetros que utilizo em meus escritos”).

Toda crítica desfavorável, mesmo com laivos indeléveis de má-fé, serve para alguma coisa. No meu caso, permitiu que pela primeira vez na vida eu comentasse uma resenha sobre meus livros. Não há ingenuidade maior, prezada senhora, do que a arrogância calculada, em qualquer esfera da arte e da vida.

Gostar ou não de uma obra é um direito de todos. Julgar o que é bom ou ruim para o leitor é uma atitude paternalista, presunçosa e impositiva.

Sinceramente, obrigado por ter execrado meu livro.

Mauro Pinheiro

Nasceu no Rio de Janeiro em 1957.  É escritor e tradutor. Autor de Cemitério de naviosConcerto para corda e pescoçoOs caminhantes, entre outros.

Rascunho