O luto e a solidão

Metáfora serve de base narrativa ao primeiro romance de Carol Bensimon
Carol Bensimon, autora de “Sinuca embaixo d’água”
01/12/2009

É o que se diz, a metáfora é uma figura de linguagem por excelência literária. Sua capacidade de reinventar sentidos faz a festa de escritores e poetas. Seu manejo, no entanto, é que não oferece qualquer facilidade. Por isso espanta quando um romancista estreante se apega à metáfora como base para uma narrativa. E esse é o caminho do primeiro romance de Carol Bensimon, Sinuca embaixo d’água, um jogo de contrastes e desilusões que marca mutações profundas nos vários personagens.

O título do romance é a primeira das metáforas encontrada pelo leitor. Há nele um simbolismo, ou melhor, uma reverência à impossibilidade. O fatalismo desce dos céus e forma a inapelável necessidade dos homens. Isso mesmo, estamos diante de um clima existencialista, estamos no terreno de Albert Camus onde, por mais que se queira fugir, o destino gruda como praga nos homens. Todos os personagens, por mais distantes que estejam de Antônia, são ferrados pelo luto e pela solidão que decorrem de sua morte.

É isso, todo enredo do romance nasce da morte de Antônia. Numa madrugada a moça bate com o carro no final de uma ladeira. Seus amigos, que passam horas e horas jogando sinuca no bar do Polaco, à beira de um lago, sentem desmoronar o sentido daquelas tardes de vadiagem e rock. O próprio Polaco perde o senso da resistência e da determinação ao se confrontar com os erros do passado e as incertezas do futuro. Até mesmo a jornalista, Helena, que está de plantão na noite da morte de Antônia, e o publicitário iniciante, Gustavo, escalado para criar uma campanha educativa sobre a violência no trânsito, não se sentem indiferentes àquela morte. Também Rosa, tão distante do tempo e do espaço naturais onde se passa toda trama, é ferrada pelo acidente.

Outra vez caímos no campo da metáfora. O poder aglutinador de Antônia se deve a uma seqüência de associações nem sempre percebidas de imediato. Antônio é irmã de Camilo, e Bernardo, o rapaz míope, nutre certa paixão por ela. Os três freqüentam o bar do Polaco e moram na mesma rua. A partir de então, os elos começam a partir e, curiosamente, a agregar os outros personagens numa série bem montada de fatos. E a conseqüência disso tudo é a retomada de um velho bordão de Camus: “Viver contra o muro é uma vida de cão”. E todos estão encurralados por sentimentos que somente afloram com a morte de Antônia, pois é a partir da morte que eles se deixam pensar na vida.

Jogo de contrastes
Sim, Carol Bensimon trabalha o jogo de contrastes. E isso é literatura de fato. Embora seu livro não seja um romance plenamente acabado, impecável, a escritora consegue jogar com pontos dificílimos de se encarar. O primeiro é esse conceito psicológico dos personagens, esse sentimento interior de impossibilidades. Depois vem a urdidura, a teia lógica onde vão se encontrar os personagens. Finalmente, há todo o clima de desalento, uma espécie de depressão geral que não vem dos personagens, mas da própria condição dessa geração.

Neste sentido, o romance ganha as cores do que se convencionou chamar por um tempo de romance de geração, onde os autores tentavam extrair todas as dores e esperanças de um grupo em formação. Carol segue por aí e encontra pessoas perdidas, desesperançadas, com paixões fadadas à falência pessoal e material. Há uma saída? Carol não aponta. Sua determinação é sempre seguir em frente, mesmo que se esbarre com o lago ou as ruínas do bar do Polaco. Ou seja, o velho e sempre coerente fatalismo existencial.

O romance poderia ter ganhado maior força se tivesse sido trabalhado melhor em sua linguagem. Embora narrado em primeira pessoa por vários personagens, há uma estranha linearidade nas falas. Todos, mesmo tendo formação intelectual e vivencial contrastantes, falam exatamente da mesma maneira, sem diferença de sotaques, sem expressões próprias. Talvez involuntariamente, com isso, a autora tenha passado um sentido de igualdade entre aqueles viventes, como a dizer que todos são iguais sob o sol. Mas este é um apelo menor, quando a diversidade poderia reforçar o fatalismo com que direciona suas criaturas.

É compreensível que a escritora tenha procurado fugir dos limites regionais e tentado criar uma linguagem mais genérica. Isso, no entanto, não garante por si a universalidade do romance. Erico Verissimo é universal pelos sentimentos que impõe às suas criações e não pela ausência de um dizer peculiar. Carol poderia ter seguido nesta trilha e dado maior verossimilhança ao seu livro.

Pecadilho à parte, Sinuca embaixo d’água dá a garantia de que a literatura se renova com qualidade. E embora fale de um mundo em degradação, fortalece a esperança de que é possível escrever com paixão e conseqüência.

Sinuca embaixo d’água
Carol Bensimon
Companhia das Letras
144 págs.
Carol Bensimon
Nasceu em Porto Alegre (RS), em 1982. Estreou com o volume de narrativas Pó de parede, em 2008, ano em que defendeu sua tese de mestrado em teoria da literatura na PUC-RS. Sinuca embaixo d’água, seu primeiro romance, ganhou a Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária.
Maurício Melo Junior

É jornalista e escritor.

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