Louise Glück: lírica, densa e intimista

O tradutor André Caramuru Aubert comenta a poesia da norte-americana que acaba de ganhar o Nobel de Literatura
Louise Glück, vencedora do Nobel de Literatura 2020
08/10/2020

(08/10/20)

Acordei hoje cedo (quinta-feira, 8) com um repórter do Rio de Janeiro me ligando, querendo que eu falasse alguma coisa sobre a vencedora do Nobel de Literatura. E eu, desligado, nem sabia que o prêmio já havia sido divulgado. Louise Glück, ele me disse. Quase ninguém ouvira falar dela, e uma pesquisa rápida na internet levou o repórter a traduções que eu havia feito para o Rascunho em 2016. Daí o contato comigo. E daí eu, ainda com sono e tomando café com leite, começar a explicar que, ainda que não estivesse entre os favoritos para o prêmio, e fosse pouco conhecida no Brasil, Louise Glück era uma baita poeta, e um Nobel para ela, mais do que justo.

Há alguns anos, todos os meses, escolho algum poeta, de quem seleciono poemas e traduzo para o Rascunho. Minha preferência é por poetas de quem eu goste muito e que sejam pouco lidos no Brasil. Claro que não posso gostar de todos igualmente, e nem me negar a traduzir os que sejam mais conhecidos por aqui. Às vezes, porém, ocorre a combinação ideal: pego um poeta maravilhoso que é praticamente secreto em terras tupiniquins. Foi exatamente o caso de Louise Glück.

Como acontecia com Denise Levertov trinta edições antes, quando comecei, não havia nada dela traduzido por aqui. Como isso era possível? A poesia de Glück era linda, arrebatadora. A maior dificuldade que tive, na ocasião, no começo de 2016, foi selecionar. Naquela altura, ela, que publicou o primeiro livro de poemas, Firstborn, em 1968, já tinha lançado os dezesseis volumes que compõem sua obra poética. E era uma obra de uma incrível constância. Quanto mais eu lia, mais gostava. Não havia poemas piores: todos eram bons, todos comoviam.

A poesia de Louise Glück tem algumas marcas principais: ela escreve limpo, de maneira concisa e clara. Ela é lírica, intimista, às vezes confessional.

É claro que, ao dizer que Glück é pouco conhecida, devemos ressaltar que isso se restringe ao Brasil e a não sei se a outros países, pois nos Estados Unidos ela é um grande nome faz muito tempo. Ainda que não tenha feito parte das tribos mais famosas da poesia estadunidense, como o movimento Beat, o dos poetas da Califórnia, a New York School ou o grupo Black Mountain, ela tem prêmios Pulitzer, Bollingen, foi Poeta Laureada do Congresso e ganhou medalha do presidente Obama.

A poesia de Louise Glück tem algumas marcas principais: ela escreve limpo, de maneira concisa e clara. Ela é lírica, intimista, às vezes confessional. Ela pode eleger personagens gregos, especialmente homéricos, para transmitir o que sente. Ela fala de perdas, como a perda da irmã, na infância, em seu livro de estreia, e o fim do casamento, anos depois. Ela fala das pequenas experiências cotidianas, e tem uma incrível capacidade de universalizar e levar emoção ao que seria um ato banal e que, nas mãos de um poeta comum, sairia péssimo. Um exemplo?

Vespers

Your voice is gone now; I hardly hear you.
Your starry voice all shadow now
and the earth dark again
with your great changes of heart.
(…)

Vésperas

Sua voz se foi, agora; eu mal posso ouvi-lo.
Sua voz estrelada é agora apenas sombra
e a terra, de novo, escura
com suas enormes mudanças no coração.
(…)

Esse é o estilo de Louise Gluck. Melancólico, mas seco; denso, mas livre de acrobacias linguísticas; lírico e ao mesmo tempo contido. Quem sabe agora, com o mais do que merecido Nobel, sua poesia seja mais lida por aqui. Mas, mais importante ainda, tomara que outros grandes poetas, estrangeiros e brasileiros, passem a ser mais lidos em nosso país. Olhando aqui meus arquivos, vejo que na edição anterior à que publicou Glück, saíram, no Rascunho, traduções de poemas de Richard Hugo; na seguinte, de James Wright. Qualquer um dos dois mereceria receber um Nobel. Ambos continuam muito pouco conhecidos no Brasil.

André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

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