O Rio Grande do Sul é um celeiro de escritores. Cito três que tiveram seus romances recentemente publicados pela Record: João Gilberto Noll (Acenos e afagos), Altair Martins (A parede no escuro) e o mais recente, Desculpem, sou novo aqui, de Carlos Moraes. Isso me espanta. O que há na região que faz brotar tantos escritores? Armindo Trevisan, Amilcar Bettega, Fabrício Carpinejar, Carlos Nejar, Luis Fernando Verissimo, Erico Verissimo, Mario Quintana e Clarah Averbuck, para ficar nesses. Será a oficina do Assis Brasil? O churrasco, o frio ou o chimarrão?
Teoria à parte. Fato é que ri muito com o romance do Carlos Moraes. Desde o começo do novo século que Nelson de Oliveira fala da presença, ou falta, do humor na prosa contemporânea. Em, Desculpem, sou novo aqui, o carro-chefe é o humor. O humor inteligente e refinado.
Carlos Moraes parte de dois pontos de sua biografia: ter sido padre e jornalista em São Paulo. Só isso. O resto é ficção. Das boas. Um padre gaúcho, após ser preso no período Médici, chega a São Paulo. Traz consigo uma carta do Papa com a dispensa de seus votos. É tudo novo para ele. Aos poucos, a cidade se desvirgina em luzes e pessoas. Por influência de um amigo, também gaúcho, consegue emprego de jornalista numa revista. Os novos amigos jornalistas, Pessoinha e Barbato, com suas “considerações” sobre as mulheres, enchem de dúvidas a cabeça do nosso padre, e, o livro, de humor intelectualizado. Por isso: hilário.
Pode parecer, por ser gaúcho, que o autor exagera no gauchês. Mas é bom lembrar que o padre do livro é gaúcho e que o romance conta a história das “aventuras e desventuras de um ex-padre gaúcho na cidade grande” — para lembrar seu chefe de reportagem, Fraguinha, que vivia criando chamadas para o ex-padre. Pensando assim, dá para compensar os excessos.
A história se passa nos anos 1970. Há trinta anos e a crítica à burguesia paulistana é atual. Carlos Moraes é um Mirisola de batina. A sociologia é a mesma. O capítulo 10, em que o padre vai a uma festa socialite, é um bom exemplo do que digo.
Como falar de São Paulo sem falar do Corinthians? A primeira matéria do padre na revista é justamente sobre o Timão. A impressão é de que há um terceiro ponto biográfico do autor: ele é também da Fiel.
No enredo entra um psicanalista chamado Baixinho que é a cópia do Analista de Bagé, do Luis Fernando Verissimo. Isso pra falar mais uma vez das referências gaúchas.
Profana é a segunda matéria do nosso jornalista: três retratos de Jesus Cristo. A matéria está no livro: um Guevara, um hippie e um anticlerical. Humor impagável.
Há toda uma expectativa do ex-padre quebrar o celibato. O que não acontece. Sai com a gostosa da Maura, janta com a enigmática Dráuzia — que lhe dá conselhos — e se apaixona pela fotógrafa Paula, a mulher com luzinha. Não dá ouvidos ao conselho do amigo Pessoinha: “Mulher com luzinha. Bundas passam. O perigo é mulher com luzinha”.
Desculpem, sou novo aqui é um livro descompromissado e divertido.