Rodolfo Walsh é um dos escritores argentinos mais importantes de sua geração. A afirmação pode soar recorrente quando se trata de escritores argentinos, haja vista os muitos nomes que se notabilizaram naquele cenário: o clássico Jorge Luis Borges e o fantástico Julio Cortázar, entre outros. Walsh, que também foi jornalista, é referência literária considerável, conforme se vê no livro Essa mulher e outros contos, agora publicado pela Editora 34. O reconhecimento não é simplório ou óbvio. Basta observar que, ao final do livro, há uma entrevista concedida pelo autor a Ricardo Piglia, escritor e estudioso desse grande gênero, que é a narrativa curta.
Em Walsh, o conto é uma verdadeira possibilidade para o exercício da imaginação em prosa. E isso não é pouco, justamente pelo fato de o autor tomar emprestado alguns eventos reais para a criação literária, conforme ele mesmo afirma na já citada entrevista. A realidade, portanto, não é uma camisa-de-força. Exemplos não faltam. É o caso do texto Fotos, cuja fragmentação está bem afeita às idéias de Piglia sobre a narrativa curta na contemporaneidade: as histórias presentes no texto se cruzam e se distanciam sem pedir passagem para o leitor. Do mesmo modo, em Essa mulher, texto que abre o livro, há espaço para um mistério que envolve dois interlocutores, um coronel e seu subordinado. E o que não é dito, mas sugerido, torna-se a chave para o conto. Numa espécie de vaticínio, o narrador anuncia: “Se a encontrar, novas grandes ondas de cólera, medo e frustrado amor se erguerão”.
Se é verdade que paira sobre o conto certa dúvida em torno de sua extensão (o quão curto a narrativa deve ser jamais foi resolvido pelos críticos, por exemplo), Walsh permite ao leitor desfrutar suas histórias seja no formato mais breve (caso da seção “Oficios terrestres”); seja na modalidade mais extensa (como é o caso do segmento Um quilo de ouro). Para além dessas características, outro elemento de destaque na escritura de Walsh é a veia de experimentação literária, que também extravasa a tendência recorrente de avaliá-lo “apenas” como um intelectual engajado.
Já no texto Um sonhador, tem-se a oportunidade de constatar a polifonia de James Joyce, conforme palavras de Ricardo Piglia. Isso porque o conto traz claramente duas histórias: a primeira com o protagonista desperto, quando pode conversar e interagir com sua esposa; e a segunda quando o personagem principal parece absorto, alheio ao que ocorre à sua volta, travando um diálogo consigo mesmo. Nessa dicotomia, as histórias se cruzam perfeitamente, em uma combinação tão evidente quanto a confusão vivida pelo sonhador do título do conto. Assim, em seus textos, Rodolfo Walsh concebe a narrativa curta como um desafio à imaginação perplexa pelo factual, o que indica sua preocupação pela elaboração da obra literária.