O mar — imensidão indestrutível — é ponto de partida e de chegada para Alberto Martins, em Cais. É no rumorejar das águas, símbolo de começo e fim, que o poeta deposita suas forças para pintar paisagens que, em vários movimentos, buscam respostas para as profundezas da existência. A morte, enredada de seus mistérios, guia os navios até o porto, cuja existência é apenas etérea: “cais/ onde as coisas ancoram/onde as coisas demoram/ algum tempo/ antes de partir”. A partida é preocupação constante do poeta, numa tentativa de repor as perdas, ou compreendê-las. O passeio é turbulento, revestido de uma aparente (fina camada) de tranqüilidade, pelo uso da medida correta, afastando-se dos excessos. Não há tempo a perder, a partida dar-se-á logo, portanto, a exigência da vida é vivê-la, até que o navio percorra a tristeza da inevitável solidão: “Um dia tudo aqui vai definhar/ — sem nome —/ como a corda em meu pescoço”.
É desta solidão da perda que se nutre a poesia de Alberto Martins. Percorre-se uma insatisfação muito grande, um estranhamento contido, mas contundente. Sente-se a cada verso que o poeta está numa eterna busca que o aflige. E perscruta tais respostas no infinito, por saber que jamais as encontrará. Não há respostas, apenas suposições: “Deve haver algum sentido/ nesses rudes rituais de partida”. Esta é a esperança, mas revestida de espessa desesperança. O sufocar é inevitável, por mais que se admire o azul tranqüilo, mas perverso, deste oceano que nos espera. É por isso que o poeta tenta desdobrar-se, multiplicar-se, para aumentar as forças da resistência, para partir e voltar ao cais sempre à espera. Neste Cais, impossível não sentir falta, saudade, ausência de nós mesmos — largas frestas deixam a réstia do sol refletida no mar entrar pelo porto. Tudo ilumina-se, mas tudo oblitera-se em segundos: os claros e escuros, como numa pintura de Caravaggio, dominam esta vida às margens do mundo, onde as ondas nos chamam, com seus movimentos sem fim: “— mas como articular em sílabas/ um som que não tem centro/ se o mar é tanto/ e a ponte, pênsil?”. A resposta está em alguma imensidão indestrutível.