Se dependesse do enredo, da trama de Matias na cidade, a estréia de Alexandre Vidal Porto na ficção rumaria para o limbo; peregrinaria entre as prateleiras e se acomodaria num canto, esquecida entre tantos livros de pouca importância e, portanto, de leitura dispensável. Os clichês rondam o leitor por todos os lados: logo de cara, sabe-se que Matias morreu e que alguns anos antes fora atingido por uma avassaladora amnésia num quarto de hotel, após uma aventura sexual. A partir daí, acompanha-se o personagem na tentativa de entender o que ocorreu. Nada mais prosaico. Além disso, Matias casou-se com Susana sem amá-la, apenas por comodidade. Um casamento insosso (como grande parte deles) vai-se delineando ao longo de 24 anos. Susana não sabe o que é um orgasmo; Matias faz de aventuras com prostitutas uma rotina. Tudo ambientado na classe média de São Paulo. Pelas frestas, a morte espreita o tempo todo.
Vidal Porto não arriscou. Construiu um trajeto comum, sem muitos sobressaltos, tranqüilo. Mas por trás deste cenário talvez desanimador a um olhar menos atento, esconde-se um autor que segue — como poucos da nova geração de escritores brasileiros — o conselho de Schopenhauer: “Deve-se evitar toda prolixidade e todo entrelaçamento de observações que não valem o esforço da leitura. É preciso ser econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela”. É na forma narrativa que reside a força de Matias na cidade, aliada a um sutil suspense sobre o que aconteceu no quarto de hotel.
De maneira rápida, com frases curtas, sem a ambição de inovações formais, Vidal Porto tece um romance sobre a dificuldade da convivência humana, uma tragédia burguesa de poucas alternativas, sem saídas para Susana e Matias, cujos anos só escancaram a fragilidade do casamento. O vigor narrativo e o uso adequado dos silêncios fazem do breve romance uma leitura gratificante. Destaque para a elaboração dos personagens que, mesmo na economia verbal e quietude, ganham enorme força: “O noivo estava satisfeito, mas não feliz. Não caberia falar de felicidade ali”; “Não queria saber da insegurança de sua mulher pegajosa, invasiva, sufocante” e “Nunca conseguiu gostar de sexo. Tinha transado a vida inteira sem entender para quê. Transava com o marido como obrigação quotidiana, sem razão que o justificasse”. Em poucas palavras, vê-se claramente a construção da infelicidade.
Alguns reparos são necessários. Entremeio a uma sólida arquitetura escapam frases que soam de maneira estranha, como pequenas pedras no percurso: “Estranhamente, uma ereção lhe esticava a calça. Tudo tem a ver com o sistema circulatório. Somos como a Bacia Amazônica: fluidos correndo para todos os lados, várias pororocas envoltas em pele, pensou”; “Abraçou Matias pela cintura, beijando-lhe o plexo, sobre o diafragma. Sentiu o coração dele bater forte, definitivo” ou ainda “Salete tinha de ter sido forte”. Pequenos ruídos num romance digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado.