Tchekhov não joga frescobol

Para cuidar da saúde, recomenda-se aos escritores que encontrem um esporte adequado à sua personalidade
Ilustração: João Verderame
21/07/2023

Adoro frescobol. Dois anos atrás, ganhei um par de raquetes. Fiquei super feliz quando abri o presente e… ficou por isso mesmo. As raquetes na gaveta. Passei dois anos pensando na quadra do prédio, lá embaixo, onde eu poderia jogar, se ao menos tivesse uma dupla.

A quadra está sempre vazia, aqui moram só velhos e casais sem filhos. É contornada por uma grade de arame, o que me fez desistir da ideia de jogar sozinha. Onde a bola iria rebater?

Até que, da minha janela no décimo terceiro andar, resolvi olhar direito. Na lateral, vi uma parede baixa de concreto, fazendo fronteira com a escada de fundo. Baixa e estreita, mas, vencendo a inércia, eu poderia jogar.

Calcei o tênis, chamei o elevador e desci. Abri o saquinho com as raquetes e duas bolas. Há uma década eu não praticava. Qualquer vizinho, se espiasse por acaso da janela da lavanderia, teria uma bela cena para se divertir. As bolas atravessavam a grade de arame, para cair nos arbustos do jardim. Eu demorava a encontrá-las. Bolas verdes, em arbustos verdes; ficavam presas nos galhos, ou afundadas entre as folhas secas. Eu me abaixava, olhava os arbustos de cima, de baixo, de um lado e do outro. Aí via a bola tranquila, paradinha no meio da calçada de pedra portuguesa.

Até agora, meus livros foram narrados em primeira pessoa, o que leva alguns leitores a imaginar que as protagonistas se parecem comigo. Isso me traz orgulho, pois amo a primeira pessoa desde a leitura de Minha vida, de Tchekhov. Como me marcou esse livro: o narrador e sua atenção ao trabalho físico. Aos vinte anos, quando o li pela primeira vez, fiquei baratinada: quem é esse narrador? É o próprio Tchekhov? A escrita me enganou completamente, jurei que era autobiográfica.

Não tenho paciência para os longos romances de Haruki Murakami, mas curto seus textos autobiográficos. Adoro Do que eu falo quando falo de corrida. Com uma ideia simples — escritores precisam se exercitar — ele cria belas associações entre a escrita e a corrida de longa distância.

Peter Handke, em A tarde de um escritor, narra uma longa caminhada cheia de dúvidas sobre o que significa ser escritor.

Outra longa caminhada, cheia de perigos e reflexões, conduz A parábola do semeador, de Octavia Butler. Nesse caso quem caminha é a personagem Lauren Olamina. Butler não tinha boa saúde. Uma pena; grande perda.

Na revisão de Luciana e as mulheres, percebi que faltava uma atividade física da protagonista. Metódica, determinada, ela levaria a boa forma a sério. Academia foi o que me ocorreu: afetivamente econômica, Luciana gosta de puxar ferro e contrair os músculos.

A julgar por seus livros, duvido que Tchekhov jogaria frescobol. Peter Handke tampouco. Murakami, perfeccionista, caso praticasse, teria pouca paciência com minha inabilidade.

Em minhas fantasias, imagino Octavia Butler sentada numa cadeira de jardim; com um copo de limonada ao lado. Adoro limonada. Eu adiaria meu treino, e sentaria ao seu lado para ouvi-la. Ou não: provavelmente a deixaria em paz. Tímida, ela prefere tomar seu refresco em silêncio, sem uma fã para atrapalhar.

Nesses tempos de cuidados com a saúde, recomendo aos escritores que encontrem um esporte adequado à sua personalidade. Faço minha campanha pelo frescobol: com uma raquete, uma bolinha e uma parede, qualquer um pode praticar. Mesmo errando mais que acertando, como é meu caso.

Hoje, quando desci à quadra do prédio, levei no bolso o celular. Com fone de ouvido, tive a companhia de Violette Leduc, numa entrevista de 1970, quando ela já atingira o sucesso e podia comprar as roupas da moda que adorava.

Violette, essa senhora de minissaia. Aposto que curtiria frescobol.

Sabina Anzuategui

É autora de Escrevi pra você hoje (2023), Uma mulher sem ambição (2021), Luciana e as mulheres (2019), O afeto (2011) e Calcinha no varal (2005). É bisneta de Marciano. Ama os cachorros platonicamente.

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