Por que publicar?

Um olhar sobre o ato de publicar um livro como busca de sintonia entre a necessidade de expressão e o reconhecimento coletivo
Ilustração: Marcelo Frazão
31/10/2025

Por que um livro é publicado? Essa questão sempre me angustiou. Desde a adolescência, eu queria publicar livros. Mas querer — o meu querer individual — era motivo suficiente pra isso?

Na juventude, eu recusava a ideia de autopublicação, pois me parecia uma rendição. Publicar, eu sentia, não era diagramar um livro e enviá-lo a uma gráfica, mas sim convencer alguma editora, inserida no mundo real dos livros e livrarias, a aceitar meu original e lançá-lo. Isso envolvia uma conquista — um alcançar. Significava escrever algo que seduzisse um leitor profissional: um editor. A meta, claro, é tão difícil quanto tornar-se estrela do futebol ou da música — sonho de muitos, alcançado por poucos.

— A editora publica por dois motivos: ou porque se apaixonam pelo livro, ou porque acham que vai vender — disse-me uma amiga.

Ouvi isso aos quarenta anos e, mesmo que tivesse ouvido antes, não sei se o conselho ajudaria. Aos vinte anos, o que sabemos sobre qualquer um desses caminhos? Um jovem sabe o que vende? Sabe o que desperta paixão? Humildemente, até acredito que sim, os jovens sabem de tudo. Mas aí entra outro problema: saber não é suficiente para querer fazer. Nossos quereres estão frequentemente em desacordo com o mundo. Fazer o que os outros gostam (vender, seduzir) é trabalhar. Lutar por merecer. E ninguém quer trabalhar — Adão e Eva que o digam. No fundo, queremos ser amados e alimentados apenas por existirmos — e isso não acontece — nosso trauma fundamental desde bebês.

No tempo em que os livros eram uma mídia popular, escritores (dizia-se) publicavam para ganhar dinheiro e conquistar mulheres. Motivos tão concretos se evaporaram hoje, quando a escrita voltou à função modesta que tinha nos mosteiros, e não traz dinheiro pra quase ninguém.

Mas, sem essa ambição rasa, por que publicamos? Por amor? Gozamos quando um editor se apaixona por nosso livro. Mas sofremos e nos deprimimos se nos ignoram. Ou acusamos as injustiças do meio editorial. Como os bebês: queremos beijinho da mamãe e, se ela não nos ama, não valemos nada…

Mamãe malvada, vou puxar o cabelo dela! Posso me perder por horas nessa analogia entre o meio editorial e nossa raiz edípica.

Por isso me marcou o ensaio de Hannah Arendt Sobre a humanidade em tempos sombrios: Reflexões sobre Lessing, que está no volume Homens em tempos sombrios. Ela analisa que a marca do gênio, para o filósofo e poeta Gotthold Lessing (1729-1781), seria a “concordância natural e feliz com o mundo, combinação de mérito e boa sorte”. O gênio seria uma figura pública — o homem em plena “harmonização natural com o mundo”, como Lessing escreveu:

O que o move, move. O que o agrada, agrada.
Seu gosto acertado é o gosto do mundo.

O mundo, explica Arendt, é o espaço intermediário que se forma entre as pessoas que o habitam e a ideia do que é ser humano. O “mundo” é um conceito público, formado pelas pessoas e além de qualquer um isoladamente.

O ensaio deu contorno às minhas angústias de juventude. Se eu me angustiava com minha própria necessidade de “ser publicada”, era por medo de que “querer ser escolhida” fosse uma carência, a ânsia por um beijinho da mamãe.

Com a idade, aceitei que a vontade de expressão é em parte motivada pelo vício em elogios. Mas expressar-se pode também dar forma às ânsias dispersas ou reprimidas das outras pessoas. Um livro que não encontra seu público (por menor que seja) é uma mensagem fora de sintonia, um gemido isolado no vazio. Quando um escritor compreende isso, afina sua necessidade de expressão para agir no mundo — criar um lugar para ideias e percepções que precisam aparecer.

Buscar tal sintonia é uma tarefa existencial, para além do dinheiro ou da paixão. Independe de editoras estabelecidas ou da autopublicação. É extrair, da confusão em que vivemos, uma aliança imaterial com outros humanos — esses mamíferos bípedes que faíscam numa fração ínfima do tempo no universo.

Sabina Anzuategui

É autora de Escrevi pra você hoje (2023), Uma mulher sem ambição (2021), Luciana e as mulheres (2019), O afeto (2011) e Calcinha no varal (2005). É bisneta de Marciano. Ama os cachorros platonicamente.

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