Pop Milk

A nostalgia de um tempo em que a felicidade cabia numa pirâmide de papelão, repleta do inesquecível sabor artificial de morango
Ilustração: Marcelo Frazão
29/11/2024

Quando eu era criança, em Curitiba, Batavo era a marca de laticínios que amávamos. Danone certamente seria mais chique, mais internacional, vinha de São Paulo, sei lá. Porém, se o assunto era leite, o bom era o nosso. Batavo é que vinha sempre fresco: para minha mãe, atenta às datas de fabricação, iogurte com mais de uma semana já era velho.

Eu adorava iogurte. Já me apaixonei por pessoas que me trouxeram iogurte no café da manhã (sim, foram duas; talvez eu fale demais por aí da minha paixão por leite fermentado). Só recentemente reduzi o consumo, por conta do aquecimento global, militância vegana, embalagens de plástico — nem sei a validade de tais argumentos, mas considerei exagero manter aos cinquenta a paixão de infância.

Parei de comprar iogurte. Até que um dia, depois de uma viagem difícil, chego em casa e meu amor me espera com um litro de iogurte líquido diet Batavo de morango. Fico feliz, até agora, de lembrar. Diluí o Batavo diet com gelo e leite de castanha (mais ecológico e menos gosto de adoçante), e aquela bebidinha me trouxe memórias vivas do corredor do Mercadorama, em frente à geladeira dos danoninhos, das bandejas baratas de seis iogurtes com aroma artificial, dos potes de meio quilo com pedaços de frutas verdadeiras.

Se os adultos nos arrastavam para o supermercado, era por isso que cedíamos: — Só vou se comprar iogurte! Mas, muito antes, numa infância mais distante de que trago só fragmentos, o melhor de tudo era o Pop Milk. Talvez não fosse da Batavo, faz tempo, confundo as coisas. Vinha numa pirâmide que cabia na mão, de papelão, com três lados. Furava-se com canudinho. Era um leite azedinho com sabor de morango.

Como era gostoso o Pop Milk! Ainda por cima, em inglês. Pop Milk.

Pop era uma palavra tão nova que, aos dez anos, eu passava o dia repetindo: — Eu sou pop! — Eu sou pop! Um autoelogio desavergonhado, na fase em que crianças gostam de se gabar incansavelmente. Se aos dez eu era pop, foi porque cresci à base de Pop Milk. Agora, aos cinquenta, com meu drink diet à mão, volto a sentir o sabor suave e artificial de morango que tanto amei.

Já escrevi bastante sobre produtos industrializados e canções vagabundas da indústria cultural. Estou sempre às voltas com essas banalidades, e é por isso que não sou finalista em prêmios literários (— Só pode ser isso!, diria a meninota que se gabava inesgotavelmente). Escrevo sobre desimportâncias, mas não gosto de ser engraçadinha. Fiquei ofendida quando me compararam a Reinaldo Moraes.

Cresci com Balão Mágico, Menudo, Sessão da Tarde, Kid Abelha; disso não tenho nostalgia nem vergonha. A televisão me deixou burra demais? Não. Nunca fui a tal, era mais jogo se tentasse fazer charme de intelectual. Foi besteira usar essa tática. O pop não poupa ninguém.

(Quem entenderá o parágrafo acima? A televisão dos Titãs, os óculos dos Paralamas, o chopp com fritas da Blitz?)

Pouca gente deve se lembrar do Pop Milk. O Mercadorama já mudou de dono e nome três vezes. “O papa é pop” era obviamente a pior canção do mundo, quando tocava em todas as rádios, aos meus quinze anos.

Será por teimosia que publico essas lembranças, sem fazer cara de mistério. Ainda preciso de um retoque total. Não me desapego desse rascunho, minha arte final.

Sabina Anzuategui

É autora de Escrevi pra você hoje (2023), Uma mulher sem ambição (2021), Luciana e as mulheres (2019), O afeto (2011) e Calcinha no varal (2005). É bisneta de Marciano. Ama os cachorros platonicamente.

Rascunho