Todo mês, este Rascunho pergunta aos autores: “O que você espera da eternidade?”. A questão, tagarela como um Grilo Falante, não abandona meu ombro. Por que ela encerra o Inquérito deste jornal? Por que razão — entre tantas perguntas práticas sobre a escrita — a eternidade precisa ser mencionada?
O Inquérito é um questionário fixo que ocupa uma página do jornal. A cada mês, alguém diferente o responde: qual a circunstância ideal para escrever? E pra ler? O que te incomoda no meio literário? O que te dá mais prazer no processo de escrita? É angustiante imaginar que o Inquérito seja publicado há doze anos, e que cento e cinquenta escritores-as o tenham respondido. Olhei os nomes no site — só acompanho uns quarenta deles. E os outros cento e dez? Se os esqueço, estarei, eu também, entre os esquecidos de outro leitor.
Daí, provavelmente, a razão da pergunta: o que você espera da eternidade? Do presente, é melhor não esperar grande coisa — sugerem as entrelinhas. Afundemos um pouco mais nesse redemoinho: por que esperaríamos algo?
Não consigo me desvencilhar de um idealismo, mesmo depois de ver, eu mesma, escritores reconhecidos discutirem em festinhas o que deveriam fazer com os enroladinhos de salsicha que sobraram de seus lançamentos; mesmo depois de ler Em busca do tempo perdido, com o mundano e frustrante Bergotte. Na minha idealização, o escritor é um sábio, que, como ironizou Brecht, consegue “manter-se longe das lidas do mundo, e o tempo breve deixar correr sem medo”.
O escritor não deveria esperar nada, pois saberia que não há nada a esperar. Nem do agora, nem da eternidade. Saberia que, não esperando nada, teria tudo — não o tudo idealizado da espera, mas o tudo real que nos circunda quando nos libertamos do futuro.
Mas, mas, mas… o bom senso me mostra a falha lógica dessa idealização: é impossível escrever sem olhar o futuro. Escrever é achar a próxima palavra: uma palavra depois da outra, uma frase depois da outra. A próxima frase é o futuro.
E frases são minha fraqueza. Tenho usado sintaxe e pontuação extravagantes, à moda antiga, há algum tempo. Por exemplo, naquele parágrafo: “Não consigo me desvencilhar de um idealismo…”, lá se foram cinco linhas. Que imprudência. Uma citação no complemento verbal da oração subordinada adjetiva… uma inversão da posição do sujeito na oração subordinada objetiva direta reduzida de infinitivo…
Se faço isso, é porque as frases simples me exigem esforço. Por hábito do ofício, leio rápido. Essa rapidez me cansa. Nas frases muito simples, preciso controlar minha mente para ler devagar — apenas — uma — palavra — de — cada — vez. É extenuante.
Sei que editores gostam de frases fáceis porque os leitores em geral as preferem e todos desejamos leitores e o bem da humanidade. Só que, a essa altura do campeonato, só me resta cuidar da minha mente. Ofereço a ela (minha mente) uma distração doméstica e inocente: uma frase complicadinha, cheia de volteios, para que ela fique ali brincando sem correr demais, sem se machucar.
Se uma frase é o futuro, nas frases complicadas o futuro demora a chegar. É isso que espero da eternidade: que venha com calma. Com uma vírgula, ou uma interrogação? — seguidos de um travessão; depois ponto e vírgula e reticências… (ou parênteses, se eu quiser — com mais dois travessões — adiar o ponto-final).