Por que voltei a escrever à mão? Ou melhor: por que inaugurei uma escrita à mão, eu, que desde a adolescência, sempre que pensava em escrever, usei a máquina?
Fiz curso de datilografia aos quinze ou dezesseis anos, por orientação de minha mãe, que se preocupava com o futuro. Sabendo datilografar, teríamos uma qualificação para o trabalho. Caso ela morresse. Me causava terrores a perspectiva dessa morte, que eu nunca teria considerado, se não fosse o pragmatismo arrasador da mãe.
Que frase ela terá formulado, tão precavida, ao nos explicar o plano?
— Se eu morrer, vocês poderão trabalhar — direto, sem via de fuga, é como me lembro.
Tínhamos pai, avós, tios e tias. Porém, para a mãe, em sua responsabilidade obstinada, era melhor não contar com ninguém. Estávamos por nossa conta, assim como ela aprendeu, aos tropeços, a se manter nas próprias pernas.
Nas aulas de datilografia — em grandes máquinas pretas, de escrivão, pesadas como tanques de guerra — havia uma peça de madeira que cobria nossas mãos, para que treinássemos sem olhar as teclas. O dedo certo para cada letra, a posição para o corpo, como uma pianista em formação. Contar os espaços quando uma linha se aproxima do fim; se não couber a próxima sílaba, usar um hífen para manter a margem justificada. Datilografia profissional, sem rasuras, de ofícios e cartas comerciais… “Venho por meio desta”, “Declaro, a quem interessar possa”.
Reprovei na primeira prova. Excedi o número de erros, ou ultrapassei o tempo limite? Só me formei no segundo exame. No centro de Curitiba, na casa antiga onde fiz o curso, hoje funciona uma livraria.
Levei a Olivetti portátil da família para meu quarto, e a partir de então, nas cartas, trabalhos de escola, tentativas de contos, eu usava a máquina. Era mais limpo e organizado. Se queria pensar com clareza, planejar uma história, eu precisava das letras padronizadas no papel sulfite, como seria um livro de verdade.
Eu lia, no jornal, todas as entrevistas com escritores. Corria os olhos pelas colunas, buscando respostas concretas ao “como”: como um escritor escreve? Em que mesa, com que papel, com que máquina, com que caneta? Era década de 1990, eu nunca ouvira falar de oficinas de escrita criativa.
Mais tarde, li um relato autobiográfico de Paul Auster: num encontro inesperado com um famoso jogador de beisebol, ele aprendeu a levar sempre uma caneta e um bloquinho no bolso. Comprei cadernos novos, e tentei cultivar o hábito de anotar cenas e imagens do dia a dia. O hábito não se instalou, nunca usei nenhuma dessas anotações. Os cadernos foram abandonados quase vazios, só uma dezena de páginas preenchidas. Tirei esses cadernos da gaveta, agora, nessa nova fase em que redescubro a escrita à mão.
Por que voltei ao papel pautado e à caneta?
Antes, os cadernos serviam para esboço e notas, nunca para a escrita em si. “Escrever” — colocar uma palavra depois da outra, compor frases, formando algo que se sustenta por conta própria — esse momento, palavras fincadas uma a uma como ganchos de alpinista, eu associava somente ao teclado. Letras de forma, clareza, organização.
Entretanto, com o amadurecimento, aprendi que a racionalidade nos embota. Na juventude, olhar o teclado, ver as fontes padrão, era como gerenciar uma usina hidrelétrica: sobre a barragem, eu via o rio contido; liberava a água controladamente pelas comportas, para girar as turbinas. A juventude passa. A correnteza se acalma. Pensar demais (controlar as águas) tira a graça da escrita, que se torna uma obrigação inútil, um peso.
Nas crônicas, buscando uma nova fonte de energia, tentei escrever à mão. Texto curto, pensei — três mil caracteres —, não será cansativo compor no caderno e digitar depois. Afinal sou datilógrafa certificada. Posiciono o original ao lado do computador e tac-tac-tac, sem olhar as teclas, pronto. Três ou quatro páginas de caderno equivalem a uma crônica, tenho feito assim há quase dois anos.
Agora me surgiu a vontade de usar cadernos para um romance — o que me pareceria loucura, algum tempo atrás. Organizar enredo, cronologia, biografia de personagens… Com a prática, agora me parece viável. Minha caligrafia está rápida, e desenvolvi um truque de fotografar as páginas pra fazer backup, quando atraso a digitação por alguns dias (sou maníaca por backup).
Na escrita, já não busco a clareza. Preciso, sim, de motivação. Cadernos me dão prazer. Canetas me emocionam, o papel me comove. Um mundo antigo — o mundo material, como dizia Marguerite Duras. Ela também escreveu: “Um dia eu vou parar de escrever se ficar muito velha. Isso vai me parecer sem dúvida irreal, impraticável. E absurdo. Um dia achei que tinha chegado a hora, que nunca mais ia escrever. (…) Aquilo me dava uma dor imensa de que ainda me lembro”.