“Talento é suficiente para ser artista?” é o título de uma entrevista com Domenico Starnone, no podcast de Daniele Rielli. Os dois conversam sobre o romance Via Gemito (2000). O tema do livro me sensibiliza: o filho de um pai talentoso que passou a vida sem conseguir manifestar plenamente seu talento. Starnone conta a história de uma pintura, o único quadro que seu pai teria vendido na vida. Tal sucesso, de que o pai se orgulhava, seria uma mentira? O escritor procura o quadro na prefeitura da cidade, e não o encontra. Somente depois de publicado o livro, é localizado por um pesquisador. A história era, afinal, verdade.
O pai do escritor trabalhou como ferroviário desde os 18 anos. Esse trabalho consumiu sua vida adulta e o frustrava — porque preferiria estar diante de uma tela, pintando. A frustração artística era fonte de sua amargura, acessos de raiva, e histórias fantasiosas que contava para se valorizar.
O entrevistador pede uma reflexão sobre artistas reconhecidos apenas após a morte — ou artistas que trabalham a vida toda, sem nunca ter reconhecimento. Na primeira vez que ouvi a entrevista, a resposta de Starnone me marcou. É a lembrança dessa frase que me faz procurar o podcast para ouvi-lo novamente. Frase bonita: mesmo sem ter sucesso, um artista de verdade sabe a qualidade do que fez. Ouvindo pela segunda vez, percebo que Starnone não diz isso.
A entrevista é em italiano. Estudei a língua há trinta anos (a adolescência e sua paixão pelas línguas estrangeiras!). Ainda entendo razoavelmente — mas, pelo jeito, nem tanto. Podcasts se registram na memória com a mesma imprecisão de um bate-papo. Palavras ao vento.
O que Starnone de fato diz é: nem o artista reconhecido, nem o artista que nunca consegue se afirmar, sabem realmente se têm talento. O artista reconhecido vive sua vida como um artista de sucesso, e parece seguro, enquanto o outro sofre. Mas em essência o talento e o sucesso dizem pouco do resultado que obtemos em nossa existência.
O escritor parece meio sem jeito — forçado, talvez, pelo entrevistador, a fazer essas reflexões genéricas, que não lhe soam muito naturais. Escritores que não generalizam — é uma postura que entendo. Ao soltar frases sobre “as pessoas” e “os artistas”, você se dá conta de que nada se aplica a todos os casos.
Ainda assim, Starnone me comove, por considerar válidas as ambições dos milhões de artistas de nossa época de “criatividade de massa”. “Há muitas ambições, justificadas, que levam a um trajeto de cabotagem, e por isso fazem sofrer”, ele diz. O entrevistador é mais crítico à nossa época. Fala da internet, que abre possibilidades de autopublicação e autodivulgação, alegando que isso criou “um clima de todos contra todos, muito difundido, como se houvesse competidores demais, para uma mesa pequena”.
Domenico concorda, a mesa é pequeníssima. Mas não vê esse fenômeno como negativo.
Hoje há uma excepcionalidade de massa; somos muitíssimos a afirmar o próprio talento, e pedir um espaço necessário para que esse talento se realize. Creio que é uma demanda justa por meios e instrumentos de se pôr à prova.
Há seguramente a necessidade de um reconhecimento, o que não é criticável. No caso de meu pai, ver o nome impresso no jornal era um reconhecimento importante, não apenas para si mesmo, mas também para a família. Uma forma de mostrar que era capaz de ser um pintor, em resposta às demandas constantes de deixar aquela bobagem — pintar — e cuidar da sobrevivência.
O desejo de ser reconhecido é muito humano. Não vivemos sozinhos, não nos esgotamos em nós mesmos. É só o outro que pode dizer: “Sim, você é bom”, ou “Não, você não tem nenhum talento”.
Traduzo essas reflexões, um tanto longas, para deixar registro em português dessa entrevista. O pai de Starnone acreditava apenas no talento — era obrigado a pensar assim, pois foi autodidata, não estudou pintura em nenhuma escola. O filho diz que o talento não basta: é preciso buscar cultura, é preciso estudar. Também é necessária uma grande paciência, a capacidade de fazer e refazer, sem afirmar “isso é maravilhoso, porque nasceu da minha paixão e da minha alma”. Essa noção deveria se tornar consciência de massa, ele considera.
Starnone conta que durante muito tempo se comportou como o avesso de seu pai. Sempre que o pai afirmava ser um grande artista, o filho se dedicava aos meios tons. O que ele é, hoje, se construiu em reação ao seu pai. Ao envelhecer, deu-se conta de que muitos dos nossos mitos se devem à “herança imaterial”.