Climatério

A mania de anotar em cadernos várias ideias para novos livros; a maioria fica relegada ao fundo da gaveta
Ilustração: Juliano Soares
12/05/2023

Tenho vários cadernos de anotações. São caóticos, planejei mais livros que terminei. Em janeiro comecei a datar as entradas, o caderno já bem rabiscado se tornou um diário.

Em vinte e sete de março anotei uma ideia para livro: Climatério, Diário de uma professora a caminho da menopausa. Apenas duas frases completavam o título: “Nunca sofri com hormônios. Friorenta, o calorão passava logo”.

No dia seguinte escrevi um pouco mais:

Perdi o sono de madrugada, estressada com um aviso recebido pouco antes de deitar. Um professor quebrou a clavícula; preciso achar um substituto ou alterar o calendário de aulas. Odeio esses recados que trazem problemas a qualquer hora, em qualquer dia. Deveres pendentes me angustiam. Emoções fortes me atrapalham.

Sem sono, na cama, decido pensar em algo mais agradável. Desenvolvo um pouco mais a ideia de Climatério.

Quem seria essa personagem? Os seios mais flácidos, ela se preocupa se ainda encontrará parceiros interessados em seu corpo.

Num encontro por acaso — na rua, perto da padaria, ao se mudar para um novo apartamento — ela reencontra um antigo conhecido. Já trabalharam juntos certa vez, ele foi seu chefe (embora, naquele caso, a diferença de hierarquia não fosse grande).

Meio por inspiração do momento, ele conta de seu projeto novo — um seriado, que tem verba para a escrita, mas produção ainda não confirmada. Diz a ela que precisa de uma roteirista.

Ambos sabem que no projeto anterior, há uns dez anos, ele estava claramente a fim dela. Mas nada rolou — ela ainda casada (quase se separando) não tinha interesse por tal enrosco (ele era casado também).

Começam a trabalhar juntos.

Há um clima.

Agora, ela sente vontade de transar com esse cara. É grande, cheiroso, limpo, macio, peludo.
Mas ele continua casado (ela nunca mais casou).

Quando o clima entre os dois fica óbvio, ela acha melhor expor a situação:

— Já fiquei com gente casada, é muito rolo. A essa altura do campeonato não estou a fim de sacanear mulher nenhuma.

Ele explica que tem um casamento aberto com a esposa.

Ela é precavida:

— Só acreditarei se ela mesma me disser.

Ele então articula um encontro (café?) entre a esposa e a colega roteirista.

As duas conversam, acertam as pontas.

De volta ao trabalho, nosso quase casal conseguirá entrar novamente no clima, depois dessa diplomacia com potencial brochante?

Sim, eles são maduros.

Só voltei ao meu diário doze dias depois, em abril. Já trocando de ideia, um novo título para outro possível livro: Lições de vida. “Pequenas cenas e falas que ouvi ao longo da vida, que me ensinaram algo verdadeiro ou um caminho a seguir.”

Anotei um grande final para esse novo livro abandonado:

Algumas cenas poderiam não ensinar nada, como a lembrança de beber cola Tenaz na pré-escola.

Sabina Anzuategui

É autora de Escrevi pra você hoje (2023), Uma mulher sem ambição (2021), Luciana e as mulheres (2019), O afeto (2011) e Calcinha no varal (2005). É bisneta de Marciano. Ama os cachorros platonicamente.

Rascunho