Tatuagens

Um verso de Drummond e um desenho de Aldemir Martins se transformam em tatuagens e ajudam a iniciar 2025 com mais energia
Ilustração: Tereza Yamashita
03/02/2025

Recentemente comentei a respeito de minha disposição de fazer uma tatuagem no braço. Foi resolução de passagem de ano, costumo planejar algumas ações durante a emoção do réveillon. Não foi fácil resolver. Para mim, embora seja dos poucos idosos, tenho uma estatística pessoal meio pobre, mas acredito nela, que acha bonito um corpo enfeitado com desenhos, pinturas, frases, seja lá o que for, havia o receio de expor-me ao ridículo. Considerava ser um privilégio de garotos, talvez não ficasse bem um senhor com mais de setenta anos procurar um tatuador. Mas como dizia minha avó, uma anciã bem sábia:

— Mais vale um gosto!

Combinei com minha nora, ela desejava imprimir no braço o nome de meu neto, fomos juntos.

No caminho, eu dirigindo, fomos conversando. Expliquei a ela o desejo de homenagear meu irmão, ele faleceu no ano passado. Para isso havia escolhido um verso de Drummond, do poema Ausência, um dos meus preferidos. Nele o poeta de Itabira diz que não existe falta na ausência. E fala da alegria em sentir a ausência assimilada:

A ausência é um estar em mim.

Queria ver em meu antebraço esquerdo, na parte de dentro, esses dizeres tão significativos. Por ser sentinela desse irmão que já se foi, e a ausência dele estar, o tempo todo, presente em mim.

O clima estava descontraído no carro. O trânsito paulista favorece diálogos mais extensos. Ideias foram sendo colocadas:

— Eu sempre saio pensando em fazer uma tatuagem e acabo fazendo duas — ouvi de minha interlocutora.

Aticei-me. Talvez pudesse homenagear também minha irmã. Ela havia comentado comigo sobre o desejo de enxergar em seu corpo o sol de Vidas secas, desenho do saudoso Aldemir Martins. Aquilo podia talvez ser considerado um tipo de traição, afinal eu estava me antecipando a uma aspiração dela, mas e se eu fizesse?

Resolvi ali na hora. Considerei que não se aborreceria. Poderia ser considerado até mesmo um teste. Caso gostasse faria igual.

O meu receio maior dizia respeito à dor. Haviam me contado que o processo era excessivamente doloroso. Mas sou mais para o resistente, geralmente trato os dentes sem anestesia, detesto sentir a boca adormecida. Convenci-me de que resistiria ao tormento caso fosse ele demais.

Não foi.

Saí duplamente tatuado. Braços esquerdo e direito. Um verso, um desenho. Drummond e Aldemir Martins. E começo o ano me sentindo mais jovem. O efeito tem sido muito positivo.

Ricardo Ramos Filho

É escritor, professor de literatura e produtor cultural. É presidente da União Brasileiras de Escritores (UBE). Autor, entre outros, de Computador sentimental, O livro dentro da concha, Conversa comigo e Cidade aberta, cidade fechada.

Rascunho