Os povos originários têm forma bonita, poética e comovente de falar sobre alguém que morreu. Dizem ter a pessoa seguido para o encantado. Faz tempo meu pai fez o percurso. Desprovido de qualquer forma de misticismo, sendo muito pouco ligado às coisas do espírito, gosto, no entanto, de imaginar o velho em um lugar assim. Tranquilo, manso, com ritmo menos acelerado, emoldurado por natureza pujante, feliz. Acrescentaria também, afinal, as preferências do falecido sempre foram evidentes, algumas garrafas de bom uísque. Sem metanol! Embora a preocupação seja tola — não se morre duas vezes. Além disso, até onde imagino, o encantado não é governado por fascistas, ou perderia qualquer vestígio de enlevo.
Pois bem, a questão aqui é o bigode de meu pai. Tenho pensado nele, frequentemente me vejo às voltas com aquela abundância de pelos que ele ostentava sobre os lábios. Um bigodão!
Guardo relação não muito fácil com o enfeite paterno. Tenho dúvidas a respeito da palavra escolhida, não sei bem se o bigode ocuparia a categoria de enfeite. Até por considerar que, muitas vezes, ele parece estranho na fisionomia de um sujeito: passa impressão ora imponente demais, ora meio vulgar, chegada ao cafajeste, transformando o indivíduo em simulacro de cantor de tango. Não era o caso de papai. O dele era bem cuidado, dava-lhe aparência distinta, compunha com seu rosto certa beleza. Mas também despertava em mim indesejado terror — pela característica singular que possuía. Não poderia, de forma alguma, tremer.
Caso estivéssemos em meio a alguma ação e ele se agitasse, certamente tínhamos invadido terreno insondável. Meninos que éramos, em constante ebulição, frequentemente ultrapassávamos barreiras inaceitáveis. As traquinagens naturais em crianças tinham o poder de aborrecer o velho sobremaneira. Ele nunca foi muito paciente com a natureza infantil. E, se o bigode vibrava, precisávamos ser céleres. Antecipar a tempestade, interromper de imediato a atividade malquista. Disfarçar, deixar o recinto, ir pregar em outra freguesia. Acontece que o tremelicar, caso estivéssemos envolvidos demais com as brincadeiras, podia passar despercebido, fazendo com que deixássemos de observar o alarme. As consequências eram funestas: gritos, broncas, reclamações. Apesar de nunca haver violência física, fugíamos da situação, como os diabinhos que éramos fugiam da cruz.
— Como posso escrever no meio desse inferno! — ele reclamava.
No momento, contudo, o bigode de meu pai está mais relacionado com a memória. Pouco mais de trinta anos após seu caminho para o encantado, agonia-me a relação com sua imagem. Provoca certa dor perceber que estou perdendo a fisionomia de alguém tão importante. É comum me pegar fazendo esforço para reconstituir os traços dele. Meu pai moço, maduro, velho, com e sem bigode. Tudo muito confuso. Meu pai sorrindo, meu pai sério, fumando, envolto em fumaça de cigarro como em uma aura.
Se olho no espelho — falam com razão sobre minha semelhança cada vez maior com ele —, posso me assustar. Às vezes está nítida do outro lado a sua presença. Refletida em mim. Meu pai se esvaindo, se transformando, se encantando. Cadê você, meu pai? É difícil ter saudade se não vejo nitidamente pelo menos o seu bigode.