Não sei muito bem de onde vem a expressão “mão de vaca”, qual seria a razão de atribuírem aos excessivamente econômicos, os avarentos, tal epíteto. Fui procurar e achei explicação vaga. As vacas teriam os cascos duros e fechados, difíceis de abrir, daí a metáfora. Pessoas pão-duras dificilmente soltam o dinheiro, mantêm as notas apertadas entre os dedos.
De qualquer maneira, estranho muito quem tem assim tanto apego ao argent, como dizia minha avó, em época em que as palavras francesas eram mais utilizadas aqui do que agora, a cultura deles dominava o mundo. Certamente por vir de uma casa onde o dinheiro foi sempre desprezado. O capitalismo fatalmente destruiria o mundo. Meu berço era de esquerda, que horror! No lar da minha infância, o salário de meu pai servia para pagar as contas, financiar alguma rara diversão, não para engordar conta bancária, acumular pecúlio, poupar. Era controlado para durar até o final do mês e olhe lá. Frequentemente acabava antes, até pela falta de preocupação financeira politicamente exercida pela família. Confesso que observo os que se declaram preocupados com o futuro, discursam sobre a necessidade de equilibrarmos gastos, pensarmos no amanhã, com certa curiosidade. Até por desejar saber de onde vem tanta certeza nesse depois. E se no meio do caminho houver uma pedra? Os infelizes dos bens seguirão rapidamente para algum herdeiro, e a vida de quem tropeçou terá sido, imagino, menos farta do que poderia ter sido.
Tudo isso para falar do meu vizinho, o Seu Antonico. Idoso, andando com dificuldade, circula pelo condomínio buscando oportunidades de economizar. É motivo de chacota, assunto que anima minhas conversas com o zelador, estamos sempre rindo de suas trapaças para gastar menos. O velho é extremamente mesquinho. Pede para que se deixe o banheiro do saguão do edifício aberto e sempre o utiliza, jamais o de sua residência. É fundamental para ele gastar o papel higiênico do prédio. Tem fascínio pela coisa pública, dela usufrui com avidez. Na hora de usar o que é de todos em benefício próprio, não vacila. De direita, votou no genocida, abomina o coletivo, invariavelmente critica medidas governamentais que distribuem renda para os mais necessitados. Repete sempre, sacudindo a pança e com um risinho grasnado:
— É preciso ensinar o indivíduo a pescar, não devemos dar o peixe!
Outro dia o liquidificador aqui de casa quebrou. Talvez algum problema no motor, desconheço o motivo. Como os equipamentos eletrônicos atualmente são muito baratos, rapidamente comprei um igual pela Internet, facilidade encantadora, é maravilhoso poder atender nossos desejos em um clique. Coloquei o avariado do lado da lixeira, entre o meu apartamento e o do Seu Antonico, somos vizinhos de andar.
Mais tarde o zelador me procurou. Veio rindo:
— O senhor jogou fora um liquidificador?
— Sim, estava quebrado.
E então fiquei sabendo da história completa. O velho mão de vaca encontrou o aparelho danificado e tentou vender para o funcionário em questão. Faria bom preço, apenas cinquenta reais. Avisou sobre o defeito, mas sugeriu conserto no Domingos da esquina.
— Ele trabalha bem e não cobra muito. Oportunidade de você ter um equipamento bom e quase sem custo.
Demos muita risada da tentativa.
— O Seu Antonico presta muita atenção nas coisas que o senhor joga fora — comentou o zelador.
Sozinho, depois, relembrando o assunto, pensei nos fascistas. E em como estão sempre dispostos a enganar o povo, sem nenhum pudor.