Mania de responder

Quando o sangue ferve, uma ferrenha discussão é o caminho natural para deixar bem claro por que vale a pena lutar
Ilustração: José Lucas Queiroz
03/03/2025

Acontece que meu coração nunca fica frio. Tenho sangue quente, não sou de levar desaforos para casa. Sempre fui desbocado.

As redes sociais muitas vezes nos aproximam de pessoas provocadoras. Elas chegam sem pedir licença e vão logo nos agredindo quando não concordam com nossos posicionamentos, principalmente se forem políticos. E como tenho lado, nunca fico em cima do muro, o caldo acaba entornando.

Ontem um sujeito resolveu encostar na minha sorte. Eu havia escrito uma postagem defendendo o atual governo. Porque considero ser nossa obrigação lutar para que a extrema direita não tenha oportunidade de recuperar terreno, as próximas eleições serão muito disputadas. Se ficarmos atirando pedras no atual presidente, o único quadro com chances reais de impedir o retrocesso em 2026, faremos jogo inconveniente e perigoso, além de irresponsável. Não precisamos ser cegos, obviamente não gostei da demissão da Nísia Trindade, mas podemos evitar críticas, colaborar para que o lado daqueles que apreciam golpes, tortura, detestam vacinas e são pródigos em agredir o meio ambiente ganhe espaço.

Pois bem, alguém que não faz parte de meu círculo de amizades, não poderia, resolveu responder agressivamente. Antes, para poder construir uma argumentação para ele mais bem preparada, foi verificar quem sou, minhas origens, produção. Considerou rasamente que, por ter estudado em escola particular, ter boa formação acadêmica, e ser mais ou menos conhecido, deveria ser filhinho de papai. Um capitalista de esquerda, afirmou completando:

— E apoiando o PT e o “Nove dedos”.

Os fascistas não mudam. Sempre gostaram de realçar criticamente particularidades físicas das pessoas. Durante o nazismo os judeus eram sempre retratados com enormes narizes. A supremacia branca era perfeita, não possuía defeitos.

Falou exatamente como costuma falar o seu líder espiritual, o genocida que acaba de ser denunciado pela PGR. Sem sensibilidade, educação, bons modos, como diria minha avó.

A maioria das pessoas normais, e sou nesses casos bem pouco normal, ignoraria, deixaria quieto, no máximo bloquearia o indigitado. Mas eu tenho manias, delas não faço segredo, uma delas é não gostar de quem me provoca. Respondo compulsivamente, sem medo, com raiva, querendo lacrar.

Iniciou-se um bate-boca com muitas idas e voltas.

Descobri que meu oponente criava cachorros, uma raça agressiva e perigosa. Típico, não é mesmo?

Quando fiz menção disso respondeu-me.

— Meus cães são mais bem-educados do que você. Cansei, seja feliz.

Vi minha oportunidade:

— Seja você também, junto com os seus: os cachorros ferozes.

Ricardo Ramos Filho

É escritor, professor de literatura e produtor cultural. É presidente da União Brasileiras de Escritores (UBE). Autor, entre outros, de Computador sentimental, O livro dentro da concha, Conversa comigo e Cidade aberta, cidade fechada.

Rascunho