Frequentemente, andando pelas cidades, aqui em São Paulo ou no interior, dou com idosos nas janelas. Observam as calçadas placidamente, deixam-se ficar debruçados por extensos momentos, as mãos segurando os queixos, emoldurados por esquadrias de madeira, de ferro, formando quadros para mim sempre curiosos. Há nesses olhares endereçados a partir das casas, quartos ou salas, certo mistério. E beleza. Parecem, a gente vivida ali pendurada, desejar no gesto retornar ao passado. Associo ao movimento, menos ação e mais um deixar-se ficar, apenas entregar-se aos minutos, largar-se, buscas ligadas à memória. A agitação cotidiana exposta do lado de fora, sem roteiro ou história, permitindo livre passear pretérito. Do lado direito a mocinha recolhe em um saquinho as necessidades de um cachorro: Sultão. Ela tão Clotilde… Atravessando a rua apressado, pasta debaixo do braço, segue tio Pasqualino, sempre atrasado para o trabalho. O carro para no farol, aguarda, amarelo, segue. Maritacas passam em voo rasante fazendo estardalhaço. Verdinhas, bonitas, alegres. A gaita do amolador, passo lento do Amarildo — por onde andará? — curvado sobre a geringonça que gira, gira, roda de bicicleta. O carro de gás, já houve um de leite, toca uma valsinha conhecida. Se o vento vem, melhor subir a gola do pijama. Friagem. O tempo perguntou ao tempo qual é o tempo que o tempo tem. No jardim da casa em frente meninas pulam corda. O cravo brigou com a rosa. Do lado a igreja em obras. Um aceno para o filho que sobe no táxi. Se essa rua fosse minha eu mandava ladrilhar. Terezinha de Jesus. E o pensamento correndo solto, voltando, lembranças se fazendo presentes. Há no velho saudade certa, gostosa, feita de associações. O mundo ao ar livre faz lembrar o que deveria ter sido e muitas vezes não foi. Ou foi? Vida. E como ainda era apenas expectativa, fica assim feito gravura, arte, a agitação ao redor sendo pintura viva. Natureza recorrente.
Da mesa da cozinha, café da manhã, vejo o prédio elegante recém-construído em frente. Varandas gourmet. No ambiente bem-mobiliado do sexto andar há uma senhora sentada em um sofá. Branco como os cabelos dela. Ergue-se, abre o vidro de correr, vem para o terraço, inclina-se sobre o batente de metal. Robe de chambre cor-de-rosa, parece de flanela, quentinho. Encanta-se com a copa exageradamente florida da árvore vista de cima. Ipê roxo. Busca alguma coisa no bolso, olha para os lados furtivamente escondendo a perspectiva do vício, acende um cigarro. Solta a fumaça para cima, olhando o céu imprensado entre construções. Imagino querer ocultar também o odor do tabaco. Talvez uma nora vigilante. Em cada baforada o evidente prazer. Acaba, joga a bituca para baixo em direção à alameda. Tira do bolso o que parece ser uma bala. Certamente de hortelã. E fica por ali sonhando enquanto o hálito se refresca. Atende o celular, o mundo parece implicar com os momentos de contemplação, já não se pode somente estar. Gesticula, ri, vislumbro de longe unhas pintadas. Desliga. Mas não vai embora. Fica ali inclinada, a cabeça seguindo os carros que passam, as gentes do bairro, o carteiro que toca a campainha do sobrado em frente e aguarda, vestindo bermuda e calçando tênis.
Exagerado, decido comer mais um pãozinho francês. Torrado, crocante, delícia assim lambuzado de manteiga. Sorvo o café com leite fumegante. Meu dia se inicia bem. E então dou-me conta de que também estou na janela. E só Carolina não viu.