A língua é viva. Vez ou outra nos deparamos com formas novas. Normalmente, estranho e me surpreendo com elas. É costume, agora, as pessoas agradecerem dizendo:
— Gratidão!
Acho o substantivo exagerado, com significado grande demais para um ligeiro reconhecimento por alguma coisa realizada. Ainda fico com o meu “obrigado” no cotidiano. Talvez por ver beleza na simplicidade. O que não significa que não seja grato. Usaria a expressão para dar a entender graça maior recebida.
No campo da literatura, devo muito a diversos escritores.
Na década de 1960 — não me lembro bem o ano —, era um menino caminhando para a juventude, recebi de presente, dado por minha avó, Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus. Branco, estudando em colégio de classe média alta, sem nunca ter tido um colega negro, ou mesmo japonês, o livro me abriu enorme horizonte. Chorei as dificuldades daquela mulher preta, sem apoio, criando os filhos em situação desumana. Favela. A tônica maior sendo fome e frio. Aquele texto viria a ser importante em minha formação. Pura literatura, gostem ou não os puristas conservadores.
Gratidão, Carolina Maria de Jesus!
Mais ou menos na mesma época, li Jorge Amado. Jubiabá, Capitães da areia e Gabriela, Cravo e Canela deram continuidade ao meu aprendizado. Entrei em contato com o racismo atávico entranhado no povo brasileiro.
Gratidão, Jorge Amado!
No caso de Jorge Amado, tive a felicidade de conhecê-lo pessoalmente. Poucas pessoas vi tão generosas, cuidadosas com o próximo. Ser humano sempre rodeado por amigos, querido, capaz de tirar de si para dar a quem precisava.
Os dois enormes escritores aqui citados — Carolina e Jorge — provaram com seus textos que a impressão de Machado de Assis era correta. Existem mesmo “dois Brasis” distintos: o oficial, dos privilegiados, e o real, do povo trabalhador. Um primeiro mais claro, branco. Outro mais escuro, preto. Realidade a ser corrigida urgentemente. De certa forma, a escravidão não terminou.
Por isso, a minha tristeza ao ver a polêmica levantada por Vera Eunice, filha de Carolina, sobre Jorge Amado. Não seria do temperamento de Jorge ter inveja de Carolina Maria de Jesus. Só quem não o conheceu poderia imaginar tal absurdo. Afirmo, com a certeza de extenso convívio: Jorge admirava Carolina Maria de Jesus! Não era burro, sabia ler — como não respeitar uma escritora do porte dela?