Não me perguntem a razão de ter aceitado ser síndico de meu prédio. Muitas vezes, incauto, caio em ciladas inexplicáveis; quando vejo, estou fechado dentro da arapuca. Talvez seja fruto de minha impaciência ou do hábito de tomar a frente que trago do mundo corporativo. Comentava-se frequentemente lá, quando trabalhei em empresas, sobre minha dificuldade em delegar. Fato. Quando identifico necessidades de ajustes, pendências, coisas precisando ser feitas sem haver iniciativa de alguém em direção ao trabalho, perco, de certa forma, o equilíbrio; desembesto, muitas vezes atabalhoado, a mitigar urgências. Assumo a gestão delas. De maneira geral, até por ser perfeccionista, consigo sucesso em minhas empreitadas.
Mudamos para o nosso apartamento há algum tempo. Observamos, logo ao chegar, a premência de obras, adequações, restauração da fachada; o prédio, visivelmente, estava abandonado. Havia, além dos problemas físicos, certa agitação política. Dois grupos não se bicando. E assim, em meio a debates infindáveis, tudo ficava como estava. Providências, zero. Uma síndica se aposentando e decidida a mudar-se para a praia, nenhuma vontade por parte dos condôminos de tocar em frente aquela bucha.
Cônscio de que o patrimônio adquirido iria se desvalorizar se nada fosse feito, e indignado com a falta de disposição de meus vizinhos — preguiça mesmo —, fiz algumas alianças com moradores mais arejados, candidatei-me, arranjei sarna para me coçar, tornei-me síndico. E lá se vão oito anos; tenho sido reeleito sempre para novos mandatos de dois anos.
Nesse percurso, vi muita coisa. A música cantada pelo Tim Maia ilustra bem os problemas enfrentados. Por um lá dá cá, ouve-se logo:
— Chama o síndico!
Muno-me então de paciência cada vez mais exígua e tento ajudar no que posso.
Ontem o telefone tocou; atendi. Do outro lado, alguém chorando, em completa agonia. Pelo número, vi logo ser a Márcia, do 112.
— Calma, assim não consigo entender — falei, tentando ser gentil e lamentando ter atendido.
Ela não parava de chorar. Um desespero que começou a me assustar. O que teria acontecido?
— Márcia, calma! Tente me contar o que está acontecendo, por favor.
— Joguei minha gata no lixo — disse, com a fala entrecortada por soluços.
— Como?
— Joguei minha gata no lixo, já procurei em todos os cantos e não consigo encontrar. Acabei de pôr o lixo lá fora e já desceu. Pede, por favor, para o zelador procurar.
A aflição dela dava pena. Difícil lidar com os desatinos alheios.
— Márcia, isso não é possível!
— É sim! Joguei minha gatinha fora — e ampliava gemidos, arfando quase sem ar.
— Márcia, gatos são bichos vivos, ariscos; ela jamais ficaria quieta dentro do cesto de lixo. Isso é impossível.
— Joguei! — insistia.
— Estou indo aí — prometi.
Encontrei a mulher totalmente destruída. Rosto inchado, descabelada, um arremedo de gente. E comecei a procurar a gata. Debaixo dos móveis, nos cantos, sempre afirmando que iria encontrar a bichana. E então vi um pequeno movimento debaixo da cama. Quando tentei pegá-la, bufou; estava estressada. Falando carinhosamente, consegui puxá-la. E entreguei para a dona, que gritava de alegria e amor.
Chama o síndico!
Até “deslixar” os gatos a gente consegue.