Quem escreve tem manias, cismas, olha as palavras com carinho, fica bravo quando percebe desrespeito com elas. Não sou diferente. Por isso, vivo me assustando com crimes lesa-idioma; é impressionante observar como as pessoas erram em seus dizeres, vivem cometendo heresias quando falam.
Outro dia, em um grupo familiar do celular, desses que nos incomodam o dia inteiro trazendo os mais variados assuntos, desimportantes, fazendo o aparelho tremer o tempo todo, formado por pessoas normalmente carentes e desprovidas de ocupação, perguntaram qual erro de português mais frequentemente me aborrecia. Embora normalmente faça questão de deixar as mensagens sem resposta, até como preservação, não resisti. O assunto era vivo demais. Imediatamente comecei a pensar, procurando na memória qual despautério linguístico mais provocava sofrimento em mim.
Depois de vasculhar muito nos miolos, cheguei a uma resposta. Certamente seria ouvir gente dizendo:
— Para mim é um “previlégio” conhecer você!
Mesmo sendo uma frase delicada, havendo simpatia na afirmativa, é para mim insuportável ver o “e” se intrometer no lugar do “i”. Por que não dizem privilégio, meu Deus?
Quando eu era menino, tive muita dificuldade em aprender que era “trouxe” e não “truxe”. Sempre que cometia o erro na frente de meu pai, era corrigido:
— É trouxe!
Eu não aprendia, teimava em me enrolar. De repente, enfiava um “truxe” no meio da frase.
— Eu “truxe” o boletim, papai.
Um dia levei um tapa.
— Se você não aprende por bem, vamos ver se assim se lembra — vociferou o velho.
Nunca mais errei.
Não defendo a estratégia violenta. Por mais que me irrite encontrar tropeços por aí, jamais usaria os recursos mal-humorados de meu pai. Apesar de reconhecer não haver maldade, a utilização da pedagogia lusitana lá de casa às vezes era excessiva.
E então boiaram, intrusas, as irritantes “meias”, tão frequentes em alguns diálogos:
— Hoje estou “meia” triste.
Por que flexionar os advérbios, meu Deus?
Para finalmente encontrar mal definitivo, o pior de todos, aquele capaz de fazer com que mil agulhas entrem em meu coração:
— “Antes de ontem” eu fui ao cinema!
O que seria “antes de ontem”? Estão querendo enterrar o anteontem!