Ultimamente venho sendo observado pela família com olhar fortemente crítico. Condenam minha posição frente ao alcoolismo. Consideram que deveria ser mais compreensivo, paciente, afinal trata-se de uma doença. De fato, não tenho muito jeito para lidar com gente que vive com a fala mole. Geralmente me afasto da pessoa, procuro ficar distante, até porque o respeito pelo indivíduo fica comprometido. Sei que é uma patologia das mais tristes, um vício terrível, mas é um sentimento muito arraigado em mim. Não deveria ser, mas está lá, prefiro deixar os amantes da bebida em excesso afastados do meu convívio. Fujo deles como o diabo da cruz.
Há mais de trinta anos não bebo uma gota de álcool. Quando me percebi trilhando caminho perigoso, na época entornava praticamente o dia inteiro, decidi sozinho, sem nenhum apoio, abandonar o hábito nocivo. Foi difícil, precisei ter enorme força de vontade. Usei estratégia interessante. Felizmente sou pessoa de palavra. Saí espalhando a notícia, contando para todos os que se relacionavam comigo:
— Parei de beber!
Criei, assim, uma rede de proteção. Jamais quebraria meu compromisso em público. Seria vergonhoso demais encarar uma cervejinha na frente de alguém para quem havia declarado minha decisão abstinente. E como fiz questão de ampliar bastante a novidade, praticamente usando um megafone para todos tomarem ciência de meu novo estágio, tornei-me prisioneiro de mim mesmo. Vivemos em sociedade, temos conhecidos em volta o tempo todo, e eles me vigiavam. Seria impossível comprometer meu caráter diante deles.
Observo a paciência com alcoólatras com um pé atrás. Recentemente um parente pegou o carro e dirigiu em estado alterado. Acabou batendo e machucando uma pessoa. Felizmente não a matou. Está sendo processado, coisa morosa como todos sabemos. É primário, deverá ter pena leve. A boa notícia é que o automóvel teve perda total. O indivíduo é pobre, não poderá comprar outro. Quando faço comentários desairosos sobre ele, sou fortemente criticado:
— Ele é doente. Respeite!
Como respeitar quem põe a vida dos outros em risco? Que eu saiba ninguém acorda alcoolizado. Se pretende beber, sabe que não resiste a uma birita, vá ao bar caminhando. Use um pouco da lucidez enquanto ainda está sóbrio.
Tem gente que bebe e bate na mulher, outros se enxarcam e envergonham os filhos em eventos sociais, muitos acabam se separando, indo viver suas vidas solitariamente, acompanhados apenas pelo copo. Todos com o beneplácito de pessoas que os consideram doentes. Têm, de fato, um problema sério de saúde.
Diariamente passo por um bar aqui perto de casa. A manhã ainda mal começou e ele está lá, a garrafa em frente, o cálice abastecido. De domingo a domingo. Já foi meu amigo. Hoje cumprimento-o quando passo pelo boteco caminhando, rapidamente ficamos sem assunto, vou embora.
Sei lá! Acho que quando estamos doentes precisamos querer buscar a cura. Talvez a maior doença seja não conseguir fazê-lo.