Cresci lendo Vinicius de Moraes, sou fã do poetinha. Sei dele muita coisa de cor, uma de minhas obsessões, acentuada com a idade, é ficar repetindo versos em silêncio. Inicio, vou até o fim, às vezes tropeço na memória, volto, recomeço, para dizer novamente as palavras do poema a cada conclusão satisfatória. Fico absorto, mergulhado neste mundo poético, custo a me livrar das recitações interiores. Bandeira, Drummond e Pessoa também me acompanham. Hábito pouco são, concordo, mas assim sou. Fazer o quê? A elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, poeta e cidadão, já me fez chorar algumas vezes.
A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva
De repente não tinha pai.
Se for pensar em quando pessoas de minha família partiram, chego à conclusão de que, raramente o telefone não foi o arauto da infelicidade. Provavelmente o fato está entre os motivos da birra que tenho pelo aparelho.
Já perdi muita gente querida: avós, pai, tios, irmão, amigos. Cada ausência é sentida como afronta. A indesejada das gentes, condenação a que somos submetidos ao nascer, impõe-me tristezas facilmente transformadas em mágoa. Tenho por ela ódio exacerbado, não consigo achar natural o final da vida. Talvez por não acreditar em outra.
Recentemente assisti ao belo filme do Almodóvar, O quarto ao lado, com as ótimas Tilda Swinton e Julianne Moore. Doente em fase final, uma das duas amigas prepara-se para morrer, deseja a companhia da outra. Desiste de lutar, recusa tratamento, entrega-se, procura uma casa linda em um local bucólico. Nele pretende expirar com dignidade.
É o discurso dos defensores dos cuidados paliativos. As pessoas devem poder escolher se preferem continuar submetendo-se aos caprichos da medicina existente, com os erros e acertos da ciência disponível, ou apenas aguardar com conforto, protegidas o máximo possível da dor, o que chamam de passagem. Passar para onde?
Vejo com horror e medo as duas possibilidades: eutanásia, assistência de fim de vida. Em ambos os casos é necessária aceitação impossível para mim.
Quando meu irmão estava no fim me fez um pedido:
— Estou cansado. Não desejo mais ficar circulando pela cidade em ambulâncias, pulando de hospital em hospital. O chacoalhar do veículo me faz sofrer, sinto dor. Deixe-me, por favor, ficar em casa.
Assenti. Respeitei a vontade do meu querido mano. Mais tarde, deitado em sua cama, ele quis saber:
— Eu vou morrer?
Todos vamos. E o incômodo provocado pela consciência desta inexorabilidade é para mim quase insuportável.
Não estou atrás de dignidade. A morte é feia, má, insidiosa, maldita. Desejo mesmo é vida. E por isso escrevo. As palavras não morrem.
Será que no caixão, quando tiver partido (para onde?), poderei ficar quieto, dizendo baixinho meus poetas favoritos?