“Para preencher um Vazio/ Inserir a Coisa que o causou”, escreveu Emily Dickinson num de seus poemas mais contundentes. O artigo definido aponta para a exatidão: “a” coisa. “Tentar bloqueá-lo/ com outra — e mais vai se escancarar —”, dirão os versos seguintes, expondo o paradoxo. Se uma outra coisa é colocada no lugar da que falta, em vez de preenchimento, teremos um vazio ainda maior.
Esse curto e poderoso texto da poeta americana me conquistou à primeira leitura, muitos anos atrás. Quem não conhece o “efeito estepe”, a tentativa de manter o carro em rotação com um pneu substituto que, contudo, não gira como o anterior? A direção treme na mão; sente-se cada solavanco.
O desespero de preencher um vazio muitas vezes faz com que a gente bote qualquer coisa no lugar dele — inclusive pessoas. Mas o oco continua lá.
Tempo, tempo, tempo, tempo. Contar com seu trabalho silencioso, zerar o jogo, instituir uma nova rotina. Flutuar no céu oblíquo, nesse extravagante entreato. O vazio projeta uma sombra, e o nome dela é saudade.
No livro Em louvor à sombra, o romancista japonês Junichiro Tanizaki fala sobre a importância da penumbra entre as sociedades orientais. “Nossa maneira de pensar é esta: a beleza inexiste na própria matéria, ela é apenas um jogo de sombras e de claro-escuro surgido entre as matérias”, destaca. Então evoca a alegoria de uma gema fosforescente, que brilha no escuro, mas perde o encanto se exposta à luz solar. “Creio que a beleza inexiste sem a sombra.”
Pois envelhecer é colecionar sombras — e talvez nisso haja mesmo uma beleza. Sem a claridade plena, perdemos em limpidez. Ganhamos, porém, os meios-tons, que oscilam como a vida. Grandes derrotas, pequenas vitórias. Assim vamos.
Mas às vezes a sombra toma tudo de assalto; até parece noite. É quando mais importa lembrar que, se dentro do dia está a noite, dentro da noite está o dia. Rever O Império da Luz, de Magritte — clarão e tempo em dissonância, tudo junto e misturado. Ou chamar, novamente, Emily Dickinson: “Não se pode soldar um Abismo/ Com Ar”.