A conversa começou no Esquina do Gabiru, o pé-sujo que, devido às grades que o rodeiam, rebatizamos de Bangu 2.
— Por onde anda o galo? — perguntou o Zé, enquanto enchia o copo americano.
Seu Manoel, com a serenidade habitual, disse que não o via há tempos. Passou a bola pro Silveira.
— Tá sumidaço. Não senti saudade.
Rapidamente a questão se espalharia pelas redondezas, de boca em boca, como convém aos assuntos de bairro.
O galo que dominava o papo é um antigo conhecido dos moradores da Álvaro Ramos. Como contei em crônica publicada aqui mesmo há algum tempo, vive solto pela rua, impressionando aos passantes pelo porte esbelto, as penas pretas e esguias, acima das quais se destaca uma coloração caramelo e a crina em vermelho radiante. É um galináceo ciente da própria beleza.
Até o misterioso desparecimento, seus dias se resumiam aos passeios vespertinos, com a garantia de um leito confortável e seguro no 2o Batalhão de Polícia Militar assim que anoitecia. Nunca se preocupou em acordar cedo. Em geral, cantava ao meio-dia ou depois disso. Desprezava o risco de um atropelamento durante as incursões, assim como a possibilidade de alguém vislumbrar, em seu corpo parrudo, um belíssimo assado — os miúdos, devidamente guardados para a farofa.
Passei a chamá-lo de Galo de Botafogo Oriental, referência que é socioeconômica, não geográfica, e evoca a antiga divisão da Alemanha. Afinal, por muito tempo a região onde eu e ele moramos, hoje cheia de botecos chiques e bistrôs, foi considerada a pior do bairro.
Naquela noite de prosa, saí intrigado de Bangu 2. Decidi, nos dias seguintes, fazer jus ao meu antigo ofício de repórter e perambular pelos arredores tentando descobrir que fim levara o penoso.
Teria sucumbido, enfim, à gana de um famélico? Desencarnado após o baque violento de um carro? Decidido mudar de ares, buscando lugar mais nobre para aproveitar seus dias?
Abordei os porteiros dos prédios, sempre atentos à movimentação externa. Procurei os garçons dos restaurantes, o lixeiro. Fui também ao batalhão, onde um sargento me disse que apenas a assessoria de imprensa da PM poderia se manifestar oficialmente sobre o tema.
Já havia quase desistido quando no sábado, ao levar minha filha para tomar sorvete, avistei de longe o malandro. Calmamente, cruzava a rua Oliveira Fausto. Fui atrás.
Mantive uma distância segura para que não percebesse que estava sendo seguido. Ele entrou na Álvaro Ramos, deu uma leve ciscada em frente à banca de jornal, depois atravessou rumo ao batalhão.
Fiquei do lado de fora, à espreita. Pelas grades, fitei sua marcha sobre a grama até o muro lateral. O galo se embrenhou ali, sumiu da vista por alguns instantes, mas logo reapareceu. Já não estava sozinho.
A seu lado, caminhava uma galinha pequenina, de penas muito brancas. Ele parecia ainda mais inflado que o habitual e ela, embevecida como os recém-apaixonados.
Sim, o danado firmou matrimônio.
Sem sair do batalhão, a esposa borboleteou com ele por dois ou três minutos, depois voltaram para o muro. Me aproximei devagar, de modo que não notassem. Então vi o delicado ninho, onde dormiam dois pintinhos amarelos. A família completa na foto.
Corri até Bangu 2 para contar as novidades. Zé, Seu Manoel e Silveira já haviam chegado, é claro. Discorri sobre investigação, a perseguição e a fresquíssima descoberta. Zé, um romântico incorrigível, ficou feliz pelo galo e propôs que brindássemos. Copo ao alto, desejou sorte ao casal. Seu Manoel, concentrado no conhaque, nada falou. O Silveira nem esperou o brinde. Virou a cerveja num gole só, não sem antes proclamar:
— É por isso que não canta mais.