As Guerreiras do K-Pop e nossos pequenos universos

Entre Guerreiras do K-Pop, Bruno Mars e amores que criam seus próprios idiomas, uma reflexão sobre os mundos que dividimos com quem amamos
Ilustração: Kleverson Mariano
11/10/2025

Essa semana fui apresentado às Guerreiras do K-Pop. Passei mais de duas horas dirigindo e ouvindo as canções do filme que, como me contou Lia, virou um must entre as turmas do ensino fundamental. Minha filha entre elas, claro.

Tem também o Bruno Mars. E o Katseye. Nomes quase sempre indecifráveis para mim, mas que logo se tornam familiares. Porque fazem parte do universo de Lia e uma das coisas mais incríveis na vida de um pai, ou de uma mãe, é penetrar nesse cosmo particular.

No caso das crianças, as mudanças são tão rápidas que a gente nem consegue acompanhar bem. Ontem era a Turma do Balão Mágico. Anteontem, os Detetives do Prédio Azul. As Melissas deram lugar ao Crocs e a Masha, outrora muito querida, virou apenas uma personagem chata.

Mas meu fascínio pelo universo das pessoas não se restringe a Lia. Gosto de saber dos afetos dos amigos, daquilo que importa para eles. Olhar para as coisas com esse filtro do outro, buscando encontrar o eixo daquele entusiasmo.

Nas relações amorosas, pelo menos as que valem a pena, o movimento é mais radical. É preciso se embrenhar num mundo completamente novo, às vezes tão distinto do nosso. Tentar, aos poucos, ler esse livro de palavras inéditas.

Então observar, detidamente, a pessoa. A luz dos olhos quando escuta certa música, a repulsa a um prato ou ao cheiro dos perfumes, o costume de dobrar as pernas, uma sobre a outra, quando se senta, um jeito todo próprio de dormir. As pequenas paixões. Um livro da Clarice, a cor lilás, chocolate amargo, os filmes do Almodóvar, uma cidade encravada no Uruguai, o poema do Frank O’Hara falando de Coca-Cola. O apreço pelos gambás, pela cor do céu no fim das tardes de outono, pelo sal que fica no corpo depois do banho de mar. A mania de pôr os quadros sempre em linha reta.

É certo que o sexo melhora quando os corpos começam, de fato, a se conhecer. O corpo é também uma geografia. Pois o amor se define igualmente nessa viagem, construída dia a dia, em altos e baixos, brigas e reconciliações, viagens esplêndidas e noites de preguiça na cama, vendo série. Um idioma que se cria a dois, e que só os dois conseguem compreender.

Sim, bem sei: assim como as línguas, os universos podem se extinguir. Por vezes definham até se desmilinguir por completo. Uma espécie de implosão. É triste. Mas o mundo é vasto, já dizia Drummond. Cheio de galáxias. E, se vale o consolo, mais vasto é o coração.

Marcelo Moutinho

É autor dos livros  A lua na caixa d’água (Prêmio Jabuti 2022), A palavra ausente (2022), Rua de dentro (2020), Ferrugem (Prêmio da Biblioteca Nacional 2017), Na dobra do dia (2015), e dos infantis Mila, a gata preta (2022) e A menina que perdeu as cores (2013), entre outros.

Rascunho