Aconteceu. Trinta de setembro e eu a vi, a primeira decoração natalina. Palpitações, porque você bem sabe o que ela significa: o fim do ano, quiçá o fim do mundo.
Outubro chegou e eu ainda não terminei de arrumar a estante. Ainda não fui promovida. Ainda não superei aquela história que, coitada, nem chegou a ser uma história. Ainda não voltei para academia (logo não perdi aqueles quilos). Outubro chegou e eu não economizei, não resolvi o problema das formigas no meu pé de jabuticaba e nem dos pulgões no pé de limão — e ainda assim, os primeiros limõezinhos insistem em nascer e os meus olhos ficaram molhados quando eu vi isso, porque é bonito e porque é improvável (como se a natureza pudesse ser improvável) e porque é bem aqui, debaixo do meu nariz, no meu jardim, no jardim das formigas, dos pulgões, dos cachorros e de uma passarinha muito brava que vigia o seu ninho com a ferocidade com que eu vigiava o meu (e isso também encheu os meus olhos d’água e pensando agora, acho que setembro me deixou muito sensível ou talvez não tenha sido o mês, mas a vida ou outra coisa que eu não sei o nome mas sei).
Outubro chegou e eu ainda não troquei a lâmpada da cozinha, já são uns três meses cozinhando no escuro. Eu ainda não aprendi a assobiar e já são trinta e sete outubros assim. E também janeiros. Outubro chegou e trouxe os primeiros piolhos desta casa, daquela cabecinha tão acelerada e inventiva, na verdade achamos que foi um piolho só, mas é o suficiente pra fazer um estrago e você sabia que agora se toma ivermectina para piolho, pra isso ele funciona, mas eu fiz questão de deixar bem claro pra moça da farmácia, veja bem, é piolho, tá?
Outubro chegou e talvez ainda seja cedo pra dizer que temos uma playlist do ano, mas talvez não, e a minha é muito bonita, mas também dá vontade de chorar (nenhuma novidade) e se você pudesse escolher, escolheria uma playlist digna de aplausos ou viver aquilo que dá vontade de viver? Eu escolheria viver, mas não sou eu que escolho, outubro chegou. Perdi o timing. E ainda não organizei os e-mails.
Revelei o filme.
Revisei o conto.
Enviei a carta.
Arrumei a gaveta.
Atualizei a planilha.
Repeti o exame.
Mas já aconteceu tanta coisa.
Eu acho, mais ou menos, que sobrevivi. E você?