No dia 8 de dezembro de 2023, coloquei dois stents em veias próximas ao coração. Elas estavam com 95% de entupimento. Ou seja, eu iria bater as havaianas em pouco tempo, se não tivesse descoberto o problema por acaso, durante um exame para voltar à natação, abandonada durante a pandemia de covid.
Optei por não ser anestesiado durante a operação (os médicos chamam de “procedimento”, porque não cortam o sujeito, mas apenas introduzem um cateter pelo pulso e fazem tudo por vídeo). Mas não fiz isso por ser um supermacho corajoso. Pelo contrário. Tinha medo de morrer sem saber. Então pedi para ficar acordado e assisti à coisa toda pela enorme tela que guiava a equipe: vi os tubinhos entrando nas minhas veias e as molinhas sendo colocadas.
Desde então, aquelas imagens não me saem da cabeça. Ver os caminhos do próprio coração com tanta nitidez é algo marcante. Quem me dera pudesse ver minha vida sentimental com tanta clareza.
Pois bem, depois deste preâmbulo cardíaco, finalmente vou entrar no assunto literário. É que neste começo de ano, eu e Marcus Aurelius Pimenta, com quem escrevi uns trinta livros, estávamos pensando qual seria nossa próxima obra. Optamos por criar uma coleção que deve se chamar Sítio do Picapau Caramelo (Sítio do Picapau Paralelo também não seria ruim).
Trata-se, obviamente, de algo inspirado no Sítio de Monteiro Lobato e nas suas aventuras. Algo parecido mas bem diferente. Como gêmeos bivitelinos.
Pois bem, na hora de decidir qual seria a aventura dessa turma, pensamos em várias opções. Uma viagem no tempo foi a primeira ideia. Mas acabamos desistindo disso (eu e Marcus já fizemos alguns romances históricos para crianças, como Nuno descobre o Brasil) e vamos transformar aquele “procedimento” numa aventura. Ou seja, alguma personagem do sítio terá um problema no coração, os outros se miniaturizarão e entrarão no corpo da doente.
Em vez de fazer uma aventura na mata como Caçadas de Pedrinho, decidimos começar com uma viagem diferente. Em vez de ser para fora, ela seria para dentro. Uma espécie de A chave do tamanho que, em vez de investigar o mundo e o caráter da humanidade, investiga o indivíduo e sua finitude. Uma oportunidade para falar do corpo humano, da inevitável perda de familiares e da morte.
Em resumo, tudo pode ser ponto de partida para uma história. Até mesmo a colocação de dois stents. Se eles continuarem funcionando, daqui a um ano o livro deve estar pronto.