Sessenta!

As muitas vantagens de chegar aos 60 anos e saber exatamente o que deseja escrever e publicar
Ilustração: Ivo Minkovicius
13/08/2023

Daqui a menos de dois meses farei 60 anos. Eu, que comecei na categoria “trintão promissor”, passo agora a pertencer à classe “sessentão veterano”.

Tirando a proximidade da morte, ser um escritor de 60 anos tem algumas vantagens.

Primeiro, ao contrário de muitas profissões, você não precisa se aposentar. Um jogador de futebol tem que parar lá pelos 35. Mas um escritor aos 60 está no seu auge. Já escreveu e leu bastante e, principalmente, já sabe o que deseja fazer. E ele tem mesmo que saber o que quer, porque já não tem muito tempo. Não pode gastar meses fazendo obras de ocasião. Cada livro pode ser o último. Então cada um tem que ser o melhor possível e deve ser importante para o escritor.

Há também a vantagem de não esperar grandes surpresas. Sua carreira já está assentada. Dificilmente acontecerá alguma reviravolta estonteante. Claro, há os exemplos de Saramago e Cora Coralina, mas eles tinham publicado poucas coisas antes dos 60. Para um escritor que vem sendo editado regularmente, é difícil que a vida se transforme numa montanha russa depois dos 60. E isso é bom. Você escreve sem medo das críticas. E não fica grávido de otimismos exagerados. Uns vão mesmo te xingar e outros vão te elogiar, mas você nem vai odiar uns nem vai acreditar que é o novo bambambã do pedaço.

A escrita, mais do que nunca, passa a ser para você mesmo. Acho que por isso criei minha própria editora, a Padaria de Livros. É a certeza de que a coisa vai sair como eu quero. Finalmente tenho liberdade para ser um escritor cricri, ranzinza, cheio de gostos esdrúxulos.

Para comemorar meu sexagenarismo, escolhi publicar um livro chamado As bibliotecas fantásticas, que venho fazendo desde 2018. Como ler e escrever são as coisas que mais faço desde a adolescência, achei que inventar contos sobre bibliotecas seria um jeito interessante de dizer o que penso sobre literatura, escritores, leitura e leitores. Dos livros que escrevi sozinho, acho que este é o meu melhor.

Acho bom esclarecer que essa independência sexagenária não quer dizer solidão, casmurrice e teimosia. Não é um “quero-assim-e-pronto”. Pelo contrário. Aos 60 há um certo relaxamento do ego, e assim fica mais gostoso e proveitoso trabalhar em parceria. E, nesse livro, tenho parceiros excelentes. Pedi as ilustrações para o Eloar Guazzelli (que fez 60 há pouco tempo e também só faz o que quer e gosta), o honroso prólogo é do Alberto Manguel (de quem sou fã), e o design e a diagramação são de Ivo Minkovicius, que com engenho e arte coloca no forno todos os pães da Padaria. O livro será em papel pólen, capa dura e num formato comprido, meio esquisito. Todas as “frescuras” possíveis. Ele está em pré-venda no Catarse. Pelo andar da carruagem, não ficarei bilionário nem irei à falência. Já basta.

Quando um candidato a escritor me pergunta “o que devo fazer para ser um escritor?”, eu geralmente respondo “ler bastante e reescrever muito”. E acho que isso é realmente o mais importante. Mas fazer 60 anos também ajuda (e espero que 70 também).

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PS: Meu aniversário e o lançamento de As bibliotecas fantásticas será dia 7/10, na Cervejaria Zuraffa, em São Paulo, a partir das 16h. O editor deste nobre Rascunho e os três leitores desta coluna estão convidadíssimos.

José Roberto Torero

Escritor e roteirista, Torero nasceu em Santos (SP), em 1963. É autor de O chalaça (prêmio Jabuti na categoria romance em 1995) e Os vermes, entre outros. Também é autor de livros de não ficção e de literatura infantojuvenil. Ao lado de Paulo Halm, assinou o roteiro do longa-metragem Pequeno dicionário amoroso.

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