Maio de 1994, Livraria da Vila, em São Paulo. Há uma fila de cerca de cinquenta pessoas para o lançamento de um livro. Atrás da mesa de autógrafos, na ponta inicial da fila, está um jovem de óculos redondinho (antes de Harry Potter, depois de John Lennon) usando um blazer meio largo, com já antiquadas ombreiras.
O livro era O Chalaça e o míope era eu. Sabia o nome de quase todos os cinquenta filantes, porque a maioria era de amigos da turma de cinema (na época, eu era um promissor curta-metragista). O evento era tão caseiro que aqueles papeizinhos que vêm dentro do livro para sabermos para quem será dedicatória eram praticamente dispensáveis. Só eram úteis num ou noutro caso, de gente que estava na livraria por acaso.
Hoje em dia conheço mais e menos os meus leitores.
Conheço mais no caso dos infantis. No ano passado visitei cerca de sessenta escolas e assim vi milhares de pequenos leitores. Sei do que eles gostaram em minhas histórias, do que não gostaram, nos abraçamos, ganhei bilhetinhos, respondi um monte de perguntas, fiz um monte de outras, etc…
Conheço menos no caso de livros para adultos.
Por exemplo: acabei de relançar O Chalaça, mas, dessa vez, apenas pela internet. Foram vendidos uns 200 exemplares. Entre os compradores havia meia dúzia de nomes da turma de cinema (tudo bem, os outros já tinham a versão antiga) e reconheci mais alguns amigos. Porém, a maioria era de desconhecidos. E esses me deixaram curiosos.
Quem são, onde vivem, o que fazem meus leitores adultos?
Como hoje se pode bisbilhotar a vida alheia de várias formas pela internet, confesso que tentei matar essa curiosidade. Facebusquei e até googlearthei.
Foi assim que descobri que minha leitora de Piracema vive numa simpática casa bege e, provavelmente, tem uma lambreta. E que meu leitor de Taboão da Serra ama churrasco e sua esposa, nessa ordem. E que uma leitora, que mora aqui pertinho de casa, é uma famosa youtuber. E que um leitor é, ao mesmo tempo, poeta e professor de educação física, unindo Atenas e Esparta. Uma vive em Brasília e adora bibliotecas; outra afirma que ser professora é a maior graça da vida. O leitor da Vila Romana vê Irmão do Jorel, o de Ipanema, filmes de super-heróis. A leitora de Votuporanga é agente de saúde; o de Itatiba, um publicitário aposentado; a de Santos, fotógrafa. O de Sabinópolis é um grande observador de aves; a de Araraquara ama flores.
Essa bisbilhotice matou um pouco da minha curiosidade. Mas só um pouco. O que eu queria mesmo era instalar câmeras nas casas dos leitores para ver suas expressões enquanto leem meus livros. Até já contatei um hacker. Ele acha que consegue colocar uma pequena câmera no marcador de livros. Vamos ver.