Prefácio não é fácil

A arte de dar aquela enrolada para contar que o próximo livro será prefaciado por um mestre
Ilustração: FP Rodrigues
11/06/2023

E geralmente é inútil.

Na maior parte das vezes, está lá mais para elogiar o autor. Deveria servir como um tira-gosto. Mas apenas tira o gosto. Em vez de abrir o apetite, adia a leitura do principal sem trazer nada de novo.

O prefácio também serve para que alguém que o autor admira avalize seu trabalho, tornando-se uma espécie de cheque caução humano. Lembro que o Millôr Fernandes ficou de saco tão cheio de escrever prefácios para os outros que fez um livro só com esses textos e avisou que dali em diante estava aposentado como prefaciarista (o que foi uma pena, porque eu gostaria de ter um prefácio dele).

Meu primeiro livro, O Chalaça, tinha um prefácio. Era assinado por mim e extremamente mentiroso. Contava a história de como eu tinha achado os pretensos papéis que formavam o livro. Eu pensava que todos entenderiam imediatamente que se tratava de uma piada. Mas não. Muita gente acreditou na brincadeira.

Abandonei os prefácios por um bom tempo. Apenas em dois livros voltados para escolas é que houve textos de apresentação. E de gente séria: Marisa Lajolo e Carlos Eduardo Lins da Silva. Mas, nestes dois casos, o uso escolar pedia uma abertura que situasse o texto e o assunto, servindo de apoio para o professor.

Ah, tive também orelhas de Tostão e Luis Fernando Verissimo, mas não sei se contam como prefácios.

Enfim, não sou um fã desta preliminar literária, tanto que escrevi uma espécie de desprefácio para o meu próximo livro (As bibliotecas fantásticas, que começou aqui, neste Rascunho, quando fiz uns microcontos sobre bibliotecas). Meu desprefácio ficou assim:

A Biblioteca sem Prefácios fica no alto do rochedo de Gibraltar (o prefácio do Mar Mediterrâneo) e possui em suas prateleiras apenas livros desprefaciados. Aliás, quando o livro tem algum prefácio, mesmo que curto, o bibliotecário o retira sem pena nem dó, usando seu afiado estilete. Diz ele que os prefácios são inúteis, porque dão um resumo do que será visto, estragando a surpresa, e, mais grave ainda, elogiam os autores mais do que suas próprias mães elogiariam. Sendo assim, para não anunciar inutilmente o que vai ser lido, para evitar louvores exagerados e, principalmente, para não dar mais trabalho ao bibliotecário de Gibraltar, este livro não terá um prefácio.

Porém (poréns, mases, contudos e todavias são a alma desse negócio de pensar), como para fazer este livro li, com prazer e gosto, várias obras de Alberto Manguel, decidi arriscar e pedir-lhe um prólogo. Sei que foi uma ousadia um zé mané como eu pedir um texto para o maior bambambã no assunto, mas cara de pau existe para ser usada e mandei-lhe um PDF do livro, já com as 50 belas ilustrações feitas por Eloar Guazzelli.

Para minha surpresa, enorme e grata surpresa, deu certo. Alberto Manguel fez um prólogo para As bibliotecas fantásticas. Meus olhos marejaram quando recebi o e-mail. E não é exagero.

Aliás, se você está desconfiando que todo este texto foi só um prólogo para que eu pudesse encher a boca e dizer “meu próximo livro terá prefácio de Alberto Manguel”, acertou em cheio.

As 99 histórias de As bibliotecas fantásticas talvez não prestem para muita coisa, mas, ah, que prefácio!

José Roberto Torero

Escritor e roteirista, Torero nasceu em Santos (SP), em 1963. É autor de O chalaça (prêmio Jabuti na categoria romance em 1995) e Os vermes, entre outros. Também é autor de livros de não ficção e de literatura infantojuvenil. Ao lado de Paulo Halm, assinou o roteiro do longa-metragem Pequeno dicionário amoroso.

Rascunho