Como autografar livros e não fazer inimigos

Na sonhada noite de autógrafos, dicas valiosíssimas para a estreia no palco do tão cobiçado mundo da literatura
Ilustração: Eduardo Mussi
11/08/2024

Querida A., você vai lançar seu primeiro livro e enfrentará sua primeira noite de autógrafos. Será emocionante. Mas não será uma noite apenas de maravilhas. Dar autógrafos tem um tanto de tensão. Você vai se deparar com questões como:

“O que escrever para um desconhecido?”

“O que escrever para as pessoas próximas?”

“O que escrever para as pessoas próximas-mas-nem-tanto?”

“Qual o nome daquele sobrinho da nora do meu cunhado?”

E, por fim: “Levo uma Bic ou minha imitação de Mont Blanc?”.

Vamos começar pela última pergunta: leve sua imitação de Mont Blanc. Depois de Bolsonaro usar uma caneta comum num evento especial, ficou algo cafona, afetado, falso.

Quanto à penúltima questão, há que pedir para o funcionário da livraria que entrega os livros aos compradores que coloque sempre o nome da pessoa que adquiriu o livro. Mesmo que a tal pessoa diga “eu sou irmã da A., ela nunca vai esquecer meu nome”, o funcionário tem que escrever o nome dela. Amnésia em noites de autógrafos são comuns. Em algum momento, você vai esquecer até o próprio nome. “Eu sei que começa com A, mas e o resto…?”

Para as pessoas próximas, aconselho algo perigoso: sinceridade. Diga o que está sentindo. Podem ser coisas como “B., estou muito feliz que você tenha vindo”, ou “C., obrigado por me apoiar desde o começo”, “D., sem os gibis da Mônica que você me deu, eu nunca teria chegado aqui”, ou ainda “Primo E., você nunca acreditou que eu escreveria um livro, pois, agora, chupa, palhaço!”.

Pensando bem, vamos deixar esse último exemplo de lado.

Para os desconhecidos, aconselho algo genérico como: “F., obrigado pela sua presença”, “G., tomara que você goste do livro”, “Para H., com um abraço”, ou um elegante e distante “Cordialmente, A.”.

O verdadeiro problema numa noite de autógrafo são as pessoas próximas-mas-nem-tanto. Há que fazer algo especial, mas você não possui dados e intimidade para fazer algo realmente especial. Então é a hora de ser criativa. Não quis ser escritora? Pois essa é a prova dos nove. Não podemos deixar o primo E. pensar que estava com a razão.

Aconselho pensar em saídas usando o nome da pessoa ou do livro. Por exemplo, se a obra tiver o título de “Perto do distante”, você pode escrever algo como “F., é sempre bom ter você por perto” ou “G., nunca fique distante”. Se ela se chamar “Lembranças do amanhã”, mande um “Espero que amanhã você se lembre desse livro”. Etc…

Uma coisa importante: não use o mesmo truque para duas pessoas próximas. Só seja repetitivo com pessoas de grupos diferentes. Por exemplo, você pode escrever “H., você é o único que vai entender este livro” para alguém da família e “I., você é único que vai entender este livro” para alguém do trabalho. E torcer para que eles não sejam apresentados durante o coquetel de lançamento.

Mas o importante mesmo, A., é que você chegou lá. Lançar um livro é muito bom. É conseguir fazer um pensamento completo e mandá-lo para o mundo.

O que o mundo vai fazer com ele já é outro problema.

José Roberto Torero

Escritor e roteirista, Torero nasceu em Santos (SP), em 1963. É autor de O chalaça (prêmio Jabuti na categoria romance em 1995) e Os vermes, entre outros. Também é autor de livros de não ficção e de literatura infantojuvenil. Ao lado de Paulo Halm, assinou o roteiro do longa-metragem Pequeno dicionário amoroso.

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